Retirado do site: http://www.perguntas.criacionismo.com.br/2011/08/o-pairar-do-espirito-de-deus.html
O que o verso de Gênesis 1:2 tem a dizer sobre a doutrina da Trindade?
Como seres humanos, somos limitados na compreensão de alguns assuntos
bíblicos. Um desses assuntos é, sem dúvida, a doutrina da Trindade.
Sempre existiram pessoas que não concordaram com esse ensinamento e, nos
últimos anos, essa crença tem sido desafiada por diversos cristãos,
inclusive adventistas. Para esses indivíduos, o Espírito Santo é mera
energia e não possui nada que possa caracterizá-Lo como divino. Vários
periódicos adventistas (Revista Adventista, Ministério,
etc.) publicaram, recentemente, diversos artigos sobre o Espírito Santo
no Antigo e no Novo Testamento.[1] O presente artigo explorará um texto
não muito utilizado na abordagem desse tema. Trata-se de Gênesis 1:2.
Nosso foco, nessa passagem, estará na última parte do verso: “...e o
Espírito de Deus pairava sobre as águas.”
Nosso estudo está dividido em duas partes: (1) Seria o Espírito de Deus o
próprio Deus? (2) Seria o Espírito de Deus uma pessoa? Logo após essas
duas sessões, faremos algumas considerações finais.
Seria o Espírito de Deus o próprio Deus?
O livro de Gênesis foi originalmente escrito em hebraico, e traduzir uma
língua assim nem sempre é tão simples. A expressão de Gênesis 1:2, ruach ‘Elohim,
que na maioria das Bíblias aparece como “Espírito de Deus”, foi
traduzida em outras versões como “um forte vento” ou “um vento da parte
de Deus espalhava-se por sobre as águas”. Essas duas versões, como se
pode notar, tendem a considerar o “Espírito” como uma força inanimada ou
um sopro de Deus e não uma pessoa da Divindade, conforme propõe a
doutrina da Trindade. Estaria isso correto?
De fato, a palavra ruach, se estiver sozinha, pode significar
tanto vento quanto espírito. Nesse caso, é o contexto que definirá a
melhor tradução. Mas lembre-se de que aqui ela não está sozinha, e sim
acompanhada de ‘Elohim que quer dizer Deus. Ora, das 24 ocorrências de ruach ‘Elohim na
Bíblia Sagrada, nenhuma é traduzida por “vento forte” ou “vento da
parte de Deus”. Por que essa seria? Como se vê, o texto de Gênesis está
falando de algo mais profundo do que simplesmente um vento
descontrolado. Trata-se do Espírito Santo de Deus![2]
Mas qual é o significado da expressão “Espírito de Deus”? A leitura
isolada do texto de Gênesis não nos esclarece muito. No entanto, quando
comparada com outras partes da Bíblia que falam a respeito da Criação,
nossa compreensão é ampliada. Para encontrarmos a resposta a essa
pergunta, veremos outras duas passagens: Salmo 104 e Jó 33.
Todo o salmo 104 é um hino de louvor a Deus baseado no relato da Criação
de Gênesis 1. No verso 30, lemos: “Envias o Teu Espírito, eles são
criados.” Ao que parece, a criação só foi possível a partir da atuação
do Espírito. Esse texto não é o único que apresenta o poder criador do
Espírito Santo. O mesmo ocorre com Jó 33. Vejamos:
Eliú, um dos amigos de Jó, disse: “O Espírito de Deus me fez; e o Sopro
do Todo-Poderoso me dá vida” (Jó 33:4). O uso do verbo “fazer” (‘asah) nesse texto nos leva diretamente para o momento em que Deus “formou” (‘asah)
o homem do pó da terra (Gn 2:7). Para aqueles que sugerem a
inexistência do Espírito Santo na Criação, esses textos revelam
claramente que Ele teve participação ativa nesse evento.
O ensinamento de Gênesis 1:2 não é outro senão o Fôlego vindo de Deus
como o começo da vida. Ele é um instrumento da criação e também é
divino, já que é capaz de criar.
Seria o Espírito de Deus uma pessoa?
A evidência bíblica para a personalidade do Espírito de Deus está no uso do verbo hebraico rahap (pairar, plainar, voar). Esse é um verbo raro nas páginas do Antigo Testamento. Além do texto de Gênesis, rahap também
foi utilizado em Deuteronômio 32:11, onde o autor bíblico ilustra o
cuidado de Deus com Seu povo no deserto como o de uma águia que paira (rahap) sobre seu ninho, dando assim a ideia de proteção.
Para nos aprofundarmos no conhecimento desse verbo, faremos o uso de um
antigo idioma que apresenta muitas semelhanças com o idioma do Antigo
Testamento. Trata-se do ugarítico, conhecido a partir de 1929, com o
início das escavações na antiga cidade de Ugarite, atual norte da Síria.
Até o momento da descoberta da língua ugarítica, diversas palavras e
expressões hebraicas eram difíceis de ser compreendidas. A partir das
traduções dos textos ugaríticos, muitas das dificuldades bíblicas foram
solucionadas.
A relevância disso para nosso estudo é que em todos os textos ugaríticos disponíveis até o momento rahap sempre
está relacionado com pássaros, mais especificamente águias. A
importância disso é que esse verbo descreve a atitude de um ser vivo e
não uma força ou energia.[3] Esses documentos arqueológicos com mais de
três mil anos sugerem uma profunda descoberta bíblica: a ação do
Espírito de Deus em Gênesis 1:2 é uma atividade executada por um Ser
vivo que “paira” como um pássaro sobre a Terra criada.[4]
Indo além e observando rahap em outras línguas antigas, podemos apreciar melhor a beleza dessa passagem bíblica. Em siríaco, por exemplo, rahep significa
“geração”. Já no árabe antigo a ideia é de estar suspenso e abrir de
asas, transmitindo assim um sentido de proteção e cuidado de um pássaro
com seu ninho.[5]
Quem sabe seja por esse motivo que o Espírito Santo escolheu uma ave
(pomba) para Se manifestar por ocasião do batismo de Jesus Cristo (cf.
Lc 3:22).
Podemos resumir todas essas informações provindas desses idiomas em uma
única frase: um Ser vivo gerando vida e protegendo Sua criação! Este é o
sentido do verbo “pairar” em Gênesis 1:2: uma atividade criadora e, ao
mesmo tempo, protetora.
Considerações finais
Para aqueles que questionam a aparente ausência do Espírito Santo na
criação do mundo, Gênesis 1:2 apresenta uma poderosa resposta. Podemos
encontrar nesse texto, de forma embrionária, elementos sobre a divindade
e personalidade desse Ser que foram ampliados no Novo Testamento.
Tão importante quanto as informações acima é exatamente o que elas
significam para o cristão no século 21. Assim como a Terra “sem forma e
vazia” foi transformada graças à atuação do Espírito de Deus, o mesmo
pode ocorrer com pessoas marcadas por um vazio existencial. Para
modificar esse quadro, por que não experimentar hoje o pairar do
Espírito de Deus em nossa vida?
(Luiz Gustavo de Souza Assis é pastor em Caxias do Sul, RS)
Referências:
1. José Carlos Ramos, “Uma Pessoa maravilhosa chamada Espírito Santo”, Revista Adventista, agosto de 2001, p. 8-10; Ozeas Caldas Moura, “A Divindade e Personalidade do Espírito Santo”, Revista Adventista, novembro de 2002, p. 16, 17; Gerhard Pfandl, “A Trindade na Bíblia”, Ministério, março-abril de 2005, p. 15-22.
2. Se Moisés estivesse falando a respeito de um vento “tempestuoso”, ele provavelmente usaria as expressões ruach se’arah (cf. Sl 107:25; 148:8) ou ruach qadim
(cf. Jr 18:7; Sl 48:7). Jonas 1:4 também é um texto esclarecedor. Ao
falar sobre o forte vento, o autor bíblico utilizou a expressão ruach gedolah e não ruach ‘Elohim, como em Gênesis 1:2. Sabatino Moscati, “The Wind in Biblical and Phoenician Cosmogony”, JBL, nº 66 (1947), p. 307.
3. H. Neil Richardson, “An Ugaritic Letter of a King to His Mother”, JBL, nº 66 (1947), p. 322.
4. Roberto Ouro, “The Earth of Genesis 1:2: Abiotic or Chaotic?”, Part III, AUSS, nº 38 (1998), p.64.
5. Moscati, p. 307.
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