A divindade e a pré-existência de Cristo foram
aspectos doutrinários da Cristologia, que se estabeleceram, progressivamente,
no seio da IASD até a primeira metade do século XX.
Os unitarianos. procedentes dos
congregacionalistas, se estabeleceram, durante a história americana, na região
da Nova Inglaterra (berço do adventismo sabatista) como um movimento
anti-calvinista e contrário à ligação Igreja e Estado, por isso são chamados de
“Ala Esquerda.” [1]
Os movimentos religiosos surgidos nessa região
sofreram essa influência teológica anti-trinitariana. Nesse contexto, emergiu
entre outras seitas (Universalistas, Batistas do Livre Arbítrio), o grupo
religioso arminiano denominado de cristãos, também conhecidos como Conexão
Cristã (anti-calvinista e anti-trinitariano). [2]
O órgão de comunicação da Conexão Cristã para o
leste dos Estados Unidos era o The Christian Herald and JournaL Essa publicação
cedo se identificou com o movimento milerita. Em seu número de 3 de dezembro de
1840, o editor Philemon R. Russel critica a Josias Litch por ter posição
favorável à Trindade, pois, segundo ele, (Russel), os cristãos não são
trinitarianos. [3]
Por outro lado, Guilherme MilIer, a principal
figura do movimento milerita, no seu segundo artigo de fé, datado de 5 de
setembro de 1842, demonstrou crer que a Divindade era constituída de três
pessoas distintas. [4] A origem religiosa de outros mileritas, contudo, atesta
sua posição favorável à doutrina da Trindade, pois eram em sua maioria
procedentes da Conexão Cristã.
Em janeiro de 1846, Tiago White se pronunciou
contra a doutrina da trindade e da eternidade divina de Jesus Cristo. [5] No
artigo “The Seventh-day Sabbath not Abolished”, de fevereiro de 1854, J.B.
Frisbie declarou-se antitrinitariano, por considerar tal conceito como sendo de
origem pagã.
No mesmo ano, James M. Stephenson negou ser Cristo
co-existente e co-eterno com o Pai. [6] No início de 1859, Uriah Smith
registrou sua crença de que o Espírito Santo é apenas um princípio de vida.
Três anos depois, D. Hildereth manifestou a mesma opinião.
Em 1869, J. N. Andrews declarou que só o Pai é o
único ser do Universo que não tem início, enquanto R. F. Cottrell afirmou, no
mesmo ano, que a Trindade é uma perigosa doutrina procedente do papado. O
pastor D. E. Robinson, que era íntimo da família White, afirmou, em 1871, que
James White permaneceu contrário ao trinitarianismo até a sua morte. [7]
Apesar de toda rejeição de se escrever um credo, em
1872, os adventistas sabatistas apresentaram suas crenças no livro Fundamental
Principles. Parece que houve, então, uma disposição propositada em omitir
qualquer declaração sobre a Trindade. [8]
Isso, por si só, permite admitir que,
possivelmente, havia uma tendência contráría ao trinitarianismo. O Instituto
Bíblico reunido na primavera de 1877, em Oakland, na costa do Pacífico, deixou
transparecer, através de seus palestrantes, que o Espírito Santo é uma mera
emanação ou influência proveniente da parte de Deus. [9]
Importantes líderes do movimento adventista,
portanto. repudiavam a doutrina trinitariana. Josué Himes, Tiago White, José
Bates, 1. N. Andrews, John Loughborough, lJriah Smith, J. E. Waggoner.’[10] D.
M. Canright e outros manifestaram algumas vezes sua rejeição em considerar
Jesus Cristo como co- eterno e da mesma substância do Pai, igualmente negaram
que o Espírito Santo fosse um ser pessoal. [11]
Durante o século XIX, a maioria dos líderes e
escritores adventistas era anti-trinitariana e via o Espírito Santo como uma
energia, que possibilita a presença de Deus em todo lugar. Ao mesmo tempo,
Jesus Custo era considerado como não tendo a mesma substância do Pai, nem sendo
co-eterno e pré-existente com Ele. O Filho de Deus era considerado como
subordinado e derivado do Pai). [12]
Havia pelo menos sete razões por que os primeiros
adventistas rejeitavam a doutrina da Trindade, e com ela a divindade de Cristo
e a personalidade divina do Espírito Santo: para eles (1) a doutrina da
Trindade era anti-escriturística, (2) o trinitarianismo foi considerado
contrário ao bom senso (irrazoável). uma vez que confunde as pessoas da
Trindade e o número delas, (3) destruía a personalidade de Deus, porque
consideravam-no como um ser incorpóreo, (4) subvertia a doutrina da expiação
por não crer que o divino morreu em Cristo, (5) o trinitarianismo originou-se
do paganismo, porque ensinava o politeísmo, (6) era uma herança teológica do
papado e (7) opunha-se à vida devocional, pois não via em Deus uma pessoa
detinida. [13]
Nesta fase da crise cristológica estava em jogo o
futuro do que seria a Doutrina de Deus dos adventistas do sétimo dia. O direito
de se crer ou não em Cristo como sendo da mesma natureza de Seu Pai envolvia a
aceitação ou a rejeição da Trindade e, portanto, da personalidade divïna do
Espírito Santo, além de comprometer a finalidade missiológica dos adventistas
do sétimo dia. A suplantação desse conflito doutrinário foi um processo
gradativo.
D.T. Boudeau é chamado por Russel Holt de o
“precursor do trinitarianismo”, pois, tão cedo quanto 1864, ele declara Jesus
como sendo igual a Deus e possuindo toda a plenitude da divindade. Doze anos
depois, registra-se uma declaração de Tiago White em que a crença dos
adventistas do sétimo dia na divindade de Cristo era muito próxima do conceito
trinitariano.
No mesmo ano (1876), N. Downer declarou que a
ressurreição de Cristo foi um ato próprio, de Deus Pai e do Espírito Santo,
referindo-se assim às três pessoas da Divindade. [14] Essas declarações são uma
evidência que havia pessoas entre os adventistas do sétimo dia estudando o tema
da Trindade.
A última década do século XIX marcou o período d
mudança no estabelecimento da divindade de Cristo, na aceitação da
personalidade divina do Espírito Santo e da doutrina da Trindade.
Quinze anos após a declaração de Dower (1891), Lee
S. Wheeler comentando Efésios 4:4-6, declara que, nessa passagem e em muitas
outras da Escritura, é feita uma distinção entre o Pai, o Filho e o Espírito.
[15] Um ano depois, foi editado na Bible Student’s Library dos adventistas do
sétimo dia, um artigo de Samuel T. Spear (pastor batista), sob o título de ‘The
Bible Doctrine of the Trinity.” [16]
Em 1895, Alonzo T. Jones pregou na sessão da
Conferência Geral, um sermão em que apresentou o relacionamento pessoal entre o
Pai, o Filho e o Espírito Santo. [17]
No mesmo ano aparece mais uma declaração de Ellen
White sobre o assunto, quando afirmou que há “três pessoas viventes no trio
celestial”. [18] Em 1898, é publicada a primeira edição do livro Desejado de
Todas as Nações onde ela declara, entre outras coisas, que, em Cristo, há vida original,
não derivada. [19]
ElIen White é o ponto decisivo para o entendimento
da Divindade para os adventistas do sétimo dia. [20] Outro fator também
relevante foi o falecimento da maioria dos líderes unitarianos até o início da
primeira década do século XX. É em parte por isso que a IASD retardou sua visão
missiológica por cerca de 57 anos (1901). [21]
As declarações de fé dos adventistas, ao longo de
sua história, demonstram uma clara mudança sobre o assunto. Foi, contudo, em
1931, que os adventistas afirmaram a Divindade como três pessoas co-eternas,
onipotentes, onipresentes e oniscientes. [22] Depois, o relatório da
Conferência Bíblica de setembro de 1952 deixou confirmada a plenitude da
divindade de Cristo como aparece no livro Our Firm Foundantion. [23]
Cinco anos depois (1957), publicou-se o livro
Questions on Doctrine preparado por um representativo grupo de líderes e
eruditos adventistas do sétimo dia. [24] apresentando ao mundo evangélico um
claro perfil evangélico da doutrina adventista do sétimo dia.
E, em 1971, o pastor LeRoy E. Froom pôs na mão da
igreja sua discutida análise sobre 1888, enquanto contribuía decisivamente para
o estabelecimento final do conceito de Trindade, da plenitude da divindade de
Cristo e da personalidade divina do Espírito Santo. Conceitos esses
confirmados, posteriormente, pela declaração das Crenças Fundamentais, votada
na Assembléia Geral de 1980, em Dallas. [25] Dessa forma, este aspecto da crise
cristológica estava suplantado.
- Autor: Luiz Nunes, Doutor em Teologia Pastoral e
professor emérito do SALT-IAENE; artigo publicado na Revista Teológica do
SALT-IAENE de Janeiro-Junho de 1997.
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