Por: Eleazar Domini
A passagem de 1 Pedro 3:18-19, é tida
como de difícil compreensão, uma vez que a aparente ideia imortalista presente
no texto é contrária ao ensinamento bíblico do estado inconsciente da morte. Entretanto,
uma exegese cuidadosa demonstrará que o texto não ensina que Cristo entre sua
morte e ressurreição pregou aos supostos “espíritos desencarnados” dos antediluvianos.
De maneira bem sucinta, uma vez que esta
não é a proposta de análise deste artigo, será abordada a visão bíblico-adventista
da passagem, no que se refere ao estado dos mortos, para que em seguida se
demonstre a pessoalidade do Espírito Santo nos versos em questão.
Uma exegese respeitosa do texto
demonstrará que Pedro não está ensinando a falsa doutrina da imortalidade da alma,
nem tão pouco está fazendo uma referência a um local como o purgatório onde os “espíritos”
ficaram aguardando Jesus vir para pregar a eles. Não há apoio bíblico para o
pensamento de que existe uma nova chance depois da morte. Caso fosse isto o que
o texto se propusesse ensinar, naturalmente questionamentos surgiriam: existe
purgatório? Há uma segunda chance para aqueles que rejeitaram a verdade em
vida? Por que Cristo foi parcial ao pregar somente aos antediluvianos e não aos
demais mortos de outras épocas? Sendo assim uma possível interpretação do texto
é a de que Jesus Cristo, através de Seu Espírito, pregou, usando Noé como
instrumento, aos espíritos, i.e., as pessoas que viveram no período
pré-diluviano e que morreram com a vinda do dilúvio salvando-se apenas oito “almas”,
que assim como a palavra “espíritos” é uma referência a pessoas vivas.
Objetiva-se com este artigo uma análise
entre as palavras “Espírito”, no final do verso 18, e “espíritos” no verso 19
demonstrando a impossibilidade de o Espírito Santo ser apenas uma força, um
vento um ser impessoal. Para tanto, será apresentada as três propostas que o Comentário
Bíblico Adventista apresenta como possíveis interpretações para a palavra “espírito”
no final do verso 18 e a expressão que se segue, “no qual”, que inicia o verso
19:
“1. ‘No qual’ se
refere ao ‘Espírito’, e o v. 19 significa que Cristo pregou aos antediluvianos
por intermédio do Espírito Santo, mediante o ministério de Noé.” CBA 628. Esta
visão entende que a expressão “vivificado no Espírito” ou “pelo Espírito”
(se bem que esta última, en tō pneumati, não recebe apoio de nenhum
manuscrito grego antigo) que aparece no v. 18 estaria afirmando que o Espírito
Santo esteve envolvido diretamente na ressurreição de Cristo.
“2. ‘No qual’ se
refere a variante preferível ‘espírito’, uma alusão a Cristo em sua condição
preexistente que, assim como sua natureza glorificada posterior à ressurreição,
pode ser caracterizada como ‘espírito’ ... A pregação de Cristo aos
antediluvianos ocorreu ‘enquanto se preparava a arca’ (v. 20); logo, durante
Seu estado preexistente”. CBA, 628 e 629.
“3. ‘No qual’ se
refere ao v. 18 como um todo. Assim, o v. 19 significaria que, em virtude de
Sua morte vicária e ressurreição futuras, em ‘espírito’, Cristo ‘foi e
pregou’ aos antediluvianos por meio do ministério de Noé. Foi por causa do fato
de que seria ‘morto, sim, na carne, mas vivificado no espírito’ (v. 18), que
Cristo pregou a salvação no passado usando Noé e ‘salvou através da água’ (v.
20), aqueles que aceitaram a mensagem.” CBA, 629.
A passagem de 1 Pedro 3:18-19, tomando-se
como linha interpretativa a primeira proposta descrita acima pelo Comentário Bíblico
Adventista é corroborada com o texto de Romanos 8:11 que diz: “E, se o Espírito
daquele que dentre os mortos ressuscitou a Jesus habita em vós, aquele que
dentre os mortos ressuscitou a Cristo também vivificará os vossos corpos
mortais, pelo seu Espírito que em vós habita.”
Em sua esmagadora maioria, os que
abandonam a fé adventista e passam a descrer na doutrina bíblica da Trindade,
ainda mantêm a crença do estado inconsciente na morte. Entretanto, o texto que
ora se analisa compromete o pensamento antitrinitário, a não ser que os que defendem
esta heresia (de que não há Trindade) também admita a falsa doutrina da
imortalidade da alma.
Sabendo-se que foi o Espírito Santo quem
usou Noé em sua pregação aos antediluvianos e que os espíritos a quem Ele
pregou eram pessoas vivas, é importante a análise das palavras gregas no texto
como se segue:
Em ambos os versos trata-se do mesmo termo
grego: (pneumati) em (o) espírito (v. 18) e (pneumasin)
espíritos. Ambos vem da mesma palavra Pneuma, que quer dizer respiração,
hálito, sopro de vida, espírito, atitude – o que denota pessoa, i.e., um ser
pessoal. Em outras palavras, se a crença antitrinitária de que o Espírito Santo
é apenas um sopro, um vento, e não uma pessoa, então, de acordo com 1 Pedro
3:18-19, deve-se crer também que os espíritos a quem este espírito impessoal
pregou eram espíritos desencarnados, seres impessoais, como creem os que
advogam a crença da imortalidade da alma. Entretanto, se os espíritos ali
mencionados são referências a pessoas vivas que existiram antes do dilúvio,
então deve-se crer também que o Espírito que pregou a elas era um ser também
pessoal.
Dentro do mesmo contexto, e tratando-se do
mesmo vocábulo, não se pode analisar e interpretar de maneira diferente a
palavra apenas para dar crédito a forma particular de pensamento. Se o Espírito
Santo é uma pessoa (a pessoa que pregou aos antediluvianos), logo os espíritos mencionados
também são pessoas. Se o Espírito Santo não é um ser pessoal, então os
espíritos mencionados de igual forma não são seres pessoais, mas, seres
desencarnados. Pode-se analisar na ordem inversa que o resultado é o mesmo: Se
os espíritos mencionados são pessoas, logo o Espírito que pregou a eles também
o é. Entretanto, se os espíritos mencionados não são seres pessoais, mas desencarnados,
e então o Espírito que prega a eles também é um ser impessoal, pois trata-se da
mesma palavra. A palavra que é usada para um também é usada para os outros e
dentro do mesmo contexto o que implica no bom emprego da regra tanto para um (Espírito
Santo) como para os outros (os espíritos dos antediluvianos).
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