terça-feira, 3 de outubro de 2023

Isaías 48:16: a Divindade Triúna revelada

 


“Chegai-vos a Mim, ouvi isto: Não falei em segredo desde o princípio; desde o tempo em que aquilo se fez Eu estava ali, e agora o Senhor Deus Me enviou a Mim, e o Seu Espírito.”

קִרְב֧וּ אֵלַ֣י שִׁמְעוּ־זֹ֗את לֹ֤א מֵרֹאשׁ֙ בַּסֵּ֣תֶר דִּבַּ֔רְתִּי מֵעֵ֥ת הֱיוֹתָ֖הּ שָׁ֣ם אָ֑נִי וְעַתָּ֗ה אֲדֹנָ֧י יְהוִ֛ה שְׁלָחַ֖נִי וְרוּחֽוֹ׃ פ

As evidências de um Deus triúno percorrem todo o cânon bíblico. Tais evidências podem ser vistas de maneira mais clara em passagens como Mateus 28:19 e 2 Coríntios 13:13, bem como de maneira mais sutil, como no relato da criação. Dentro dessa ótica, o capítulo 48 de Isaías poderia estar enquadrado como um dos que apresenta a Trindade de maneira mais clara.

Para uma visão mais coerente do que está expresso em Isaías 48:16, é preciso identificar quem é o que introduz o discurso direto do capítulo. Há evidentes indícios intratextuais que apontam para um ser divino e não apenas como um discurso do profeta. Tais indícios evidenciam que o discurso direto iniciado no capítulo não tem por locutor um agente humano.

ANÁLISE DO LOCUTOR DO CAPÍTULO

V. 3: “As primeiras coisas desde a antiguidade as anunciei; da Minha boca saíram, e Eu as fiz ouvir; apressuradamente as fiz, e aconteceram.”

Naturalmente que um agente humano não pode ser o sujeito dessa oração:

“Não vejo nenhuma forma na qual o sujeito da primeira parte do versículo pudesse ser o profeta. As coisas ditas ali só poderiam ser ditas por Deus. Qual, pois, é o significado do ponto final? Este, seguramente, é o outro caso da estreita identidade entre Deus e o profeta. Deus estivera falando através do profeta; Ele chama o povo a ouvir, em virtude de tudo o que Ele (Deus) dissera no passado, e agora Ele (Deus) Se revelou nos eventos de suas vidas” (OSWALT, 2011).

E continua:

V. 9: “Por amor do Meu nome retardarei a Minha ira, e por amor do Meu louvor Me refrearei para contigo, para que te não venha a cortar.”

Quem tem poder para cortar Israel, que é a audiência primária, conforme relatado no verso 1? Mais uma evidência de que não pode estar falando de um agente humano.

V.10: “Eis que já te purifiquei, mas não como a prata; escolhi-te na fornalha da aflição.”

V. 11: “Por amor de Mim, por amor de Mim o farei, porque, como seria profanado o Meu nome? E a Minha glória não a darei a outrem.”

Esses dois versos também mostram a impossibilidade de que esse discurso tenha como autor Isaías. É impossível que seres humanos (o profeta, como alguns entendem ser o locutor desse discurso) possam purificar outros seres humanos, bem como ter o nome profanado não podendo dar sua glória a outro. São claros indícios de que o proponente que discorre em toda essa perícope não é humano; precisa ser um agente divino.

MAIS DE UM AGENTE DIVINO NA PASSAGEM

Evidenciado que o locutor do discurso apresentado no capítulo é um ente divino, dificuldades naturalmente se apresentam para os que defendem não haver mais de um ser que compõe a Divindade celeste. Logo no início de Sua fala, precisamente no verso 2, Ele (que será identificado abaixo) introduz em Seu discurso alguém que é chamado por Ele de Adonai (YHWH) Tsevaôt (Senhor dos Exércitos):

“E até da santa cidade tomam o nome e se firmam sobre o Deus de Israel; o Senhor dos Exércitos é o Seu nome.”

IDENTIFICAÇÃO DO AGENTE DIVINO-LOCUTOR

Quem seria o agente orador do capítulo 48? Quem é esse ser divino?

Notoriamente tem-se um ser que está discursando e que não tem características humanas. É necessário também afirmar que não há nenhuma evidência textual que aponte para uma mudança de interlocutor no discurso apresentado no capítulo 48 de Isaías, que quase sempre começa com a expressão wayyomer (“e disse”), característica básica de introdução ao discurso direto ou de mudança de interlocutor.

Além das características claramente evidenciadas acima, demonstrando tratar-se de um ser divino, os versos 12 e 13 se preocupam com a identificação dessa personalidade:

V. 12: “Dá-me ouvidos, ó Jacó, e tu, ó Israel, a quem chamei; Eu sou o mesmo, Eu o primeiro, eu também o último.”

V. 13: “Também a Minha mão fundou a terra, e a Minha destra mediu os céus a palmos; Eu os chamarei, e aparecerão juntos.”

Se houvesse alguma dúvida em torno do locutor, em saber se é um agente humano ou divino, os versos 12 e 13 acabam com a dúvida. É um agente divino. Mais que isso, esses versos permitem, a partir de uma análise no cânon bíblico, identificar quem seria essa personalidade divina.

Fazendo-se uma análise comparativa, observa-se que existe uma correlação da frase “Eu Sou o primeiro e o último” em Isaías 48:12 com Apocalipse 1:17 e 2:8. Ambos os textos apocalípticos apresentam tal expressão e ambos se referem claramente a Jesus Cristo, conforme atesta o verso 8, mostrando que Aquele de quem se fala foi morto e reviveu: outra clara referência a Jesus.

O verso 13 confirma tratar-se de Jesus. Mais uma vez, numa análise comparativa, percebe-se que em João e Colossenses claramente a figura que discursa em Isaías 48 é Jesus Cristo. Há outras passagens no cânon que corroborariam o verso 13, não obstante, apenas estas duas mencionadas são suficientes:

“Todas as coisas foram feitas por Ele, e sem Ele nada do que foi feito se fez” (João 1:3).

“Porque Nele foram criadas todas as coisas que há nos céus e na terra, visíveis e invisíveis, sejam tronos, sejam dominações, sejam principados, sejam potestades. Tudo foi criado por Ele e para Ele. E Ele é antes de todas as coisas, e todas as coisas subsistem por Ele” (Colossenses 1:16, 17).

Inquestionavelmente, quem pronuncia todo o discurso de Isaías 48 é o Senhor Jesus.

Pontos destacados até agora:

1. Há um Ente divino discursando no capítulo 48 de Isaías.

2. Esse Ente divino é identificado claramente com Jesus.

3. Em Seu discurso, Ele (Jesus) fala de outro ser (e não pode ser uma referência a Si, pois o texto está trabalhando na terceira pessoa): Adonai (YHWH) Tsevaôt, o Senhor dos Exércitos.

Na análise até o momento, já se tem dois seres divinos: Jesus, que discursa, e Adonai (YHWH) Tsevaôt, que será denominado para fins de compreensão “o Pai”. Pelo menos dois seres da Divindade encontram-Se presentes na análise feita até o momento.

A QUESTÃO DO VERSO 16

“Chegai-vos a Mim, ouvi isto: Não falei em segredo desde o princípio; desde o tempo em que aquilo se fez Eu estava ali, e agora o Senhor Deus Me enviou a Mim, e o Seu Espírito.”

Nesse verso, o interlocutor (Jesus Cristo, como já demonstrado acima) novamente fala do outro Ser divino a que Se referiu anteriormente. Em realidade, o termo Elohim (Deus) não está presente no texto. Existe uma expressão que pode ser traduzida assim: Adonai YHWH. Como o Tetragrama é lido “Adonai”, provavelmente, para não ficar repetido Adonai Adonai (o Senhor Senhor), foi traduzido por o Senhor Deus ou, como aparece em algumas versões, o Senhor Jeová. Trata-se da mesma personalidade apresentada no verso 2. A questão é que nesse mesmo verso, na parte final, aparece mais uma entidade:

Weatah Adonay YHWH Shelahani weruhu: “[…] e agora o Senhor Jeová me enviou e Seu Espírito.”


Esse verso possui duas relações de construto (dá a ideia de posse como o caso genitivo no grego): a primeira está no termo Adonay e a segunda no termo weruhu. É interessante observar que o termo Adonay é um substantivo comum, masculino, PLURAL, construto. A tradução exata desse termo deveria ser MEU SENHORES, ou SENHORES, conforme está em Gênesis 19:2. Entretanto, respeitando o substantivo atrelado a ele, YHWH, que não possui gênero, número ou estado, e também respeitando o verbo shalah (enviar), que aparece na terceira pessoa do singular, a tradução de Adonay segue no singular. Mas se fosse feita uma tradução literal seria assim:

“E agora Meu Senhores Jeová Me enviou a Mim e Seu Espírito.”

Não é necessário conhecimento da língua hebraica para identificar mais uma entidade na descrição:

1. Adonay YHWH (Pai)

2. O Enviado, que é o que discursa, como já demonstrado, Jesus Cristo (Filho)

3. E o Seu Espírito (Espírito Santo)

A questão é que existe uma dubiedade no termo weruhu (e Seu Espírito). Duas traduções são possíveis:

1. “E agora o Senhor Deus Me enviou a Mim, e o Seu Espírito.” Na primeira hipótese de tradução, o Ruah tem como função sintática a mesma do Enviado (Jesus), que é objeto direto. Eles sofrem a ação de serem enviados por Adonay YHWH (o Pai). O verso estaria afirmando que “o Senhor Jeová enviou a Jesus e também enviou Seu Espírito.”

“E agora o Senhor”, etc., formam um prelúdio para as palavras do Único servo inigualável de Jeová sobre si mesmo, que ocorrem no cap. xlix. A maneira surpreendentemente misteriosa em que as palavras de Jeová de repente passam para as de Seu mensageiro, que é apenas comparável a Zac. ii. 12 sqq., iv. 9 (onde o falante também não é o profeta, mas um mensageiro divino exaltado acima dele), só pode ser explicada dessa maneira. E de nenhuma outra maneira podemos explicar o וְעַתָּ֗ה, o que significa que, depois que Jeová preparou o caminho para a redenção de Israel pelo levantamento de Ciro, de acordo com a profecia e pelo sucesso das armas, Ele o enviou. O orador neste caso, para realizar, em uma capacidade mediadora, a redenção assim feita, e não pela força das armas, mas no poder do Espírito de Deus (cap. xlii. 1; cf. Zac. iv. 6). Consequentemente, o Espírito não é falado aqui como Se juntando ao envio (como Umbreit e Stier supõem, depois de Jerônimo e o Targum: a Septuaginta é indefinida, καὶ τὸ πνεῦμα αὐτοῦ); nem encontramos o Espírito mencionado em tal coordenação como esta (ver, por outro lado, Zac. vii. 12, per spiritum suum). O significado é que ele também é enviado, ou seja, enviado com o servo de Jeová, que está falando aqui. Para transmitir esse significado, não havia necessidade de escrever nem   וְרוּחוֹ  אֹתִי  שָׁלַח ou רוח וְאֶת־ שׁלחני, já que a expressão é exatamente a mesma que no cap., xxix. 7, צֹבֶ֙יהָ֙ וּמְצֹ֣דָתָ֔ה; e o vav pode ser considerado como o vav de companhia (Mitschaft, lit., com navios, como os árabes chamam; veja em cap. xlii. 5)” (DELITZSCH, 1892).

2. “E agora o Senhor Deus Me enviou a Mim, e o Seu Espírito.” Na segunda hipótese, o Espírito estaria junto com o Adonay YHWH no ato de enviar Aquele que está narrando o texto (Jesus). O verso estaria afirmando que “os Senhores Jeová e Seu Espírito estariam enviando Jesus”, conforme afirmam Price (2009), Henry (2010) e Pfeiffer (2003):

“As predições de Deus têm sido uma proclamação aberta, e Seu Enviado avança pela autoridade e inspiração do Deus eterno e Seu Santo Espírito. Israel pode, portanto, estar certo de que Deus executará Sua vontade contra a Babilônia, e […] os caldeus” (PRICE, GRAY, GRIDER et al., 2009).

“O Espírito de Deus é aqui mencionado como uma pessoa distinta do Pai e do Filho, e como tendo autoridade divina para enviar profetas. Observe que o Espírito envia aqueles que Deus envia” (HENRY, 2010).

“Mas uma maravilha ainda maior é o fato que, desde o princípio da raça humana, Deus Filho, o ‘anjo do Senhor’ (do V .) e a ‘Palavra’ ou Logos (no NT) têm repetidas vezes falado claramente aos filhos da aliança divina, revelando a vontade divina e Seu plano para o futuro. No versículo 16, o Cristo pré-encarnado identifica-Se como o enviado pelo Pai e pelo Espírito para transmitir a mensagem profética de Deus para o profeta inspirado” (PFEIFFER, 2003).

Ora, sendo Aquele que envia ou sendo enviado, um ponto é claro: há um terceiro personagem na passagem e não é uma mera força ou vento. Se é enviado, Ele está em pé de igualdade com o Filho; se é quem envia, está em pé de igualdade com o Pai. Enfim, sendo sujeito ou objeto da oração, Ele está em pé de igualdade com o Pai ou com o Filho, com plena capacidade para enviar ou ser enviado. Se Ele não pode ser um ser pessoal, também o Pai que envia não pode ser, ou se Ele não pode ser um ser passoal, também o Filho que é enviado não pode ser. Portanto, Isaías 48:16 é um texto claro em que a Divindade triúna é manifesta.

(Eleazar Domini, além de bacharel em Teologia, é mestre em Teologia na área de Interpretação e Ensino da Bíblia com ênfase na língua hebraica. Atualmente é pastor nos Estados Unidos)

Referências:

DELITZSCH, F. Biblical Commentary on the prophecies of Isaiah. Edinburgh: T. & T. Clark, 1892. 537.

HENRY, M. Comentário Bíblico – Antigo Testamento: Isaías a Malaquias. Rio de Janeiro: CPAD, 2010. v.4. 1252.

OSWALT, J. Comentários do Antigo Testamento: Isaías. São Paulo: Cultura Cristã, 2011. v.2. 832.

PFEIFFER, C. El Comentario Biblico Moody:: Antiguo Testamento. El Paso: Casa Bautista de Publicaciones, 2003. 912.

PRICE, R. E. et al. Comentário bíblico Beacon: Isaías a Daniel. Rio de Janeiro: CPAD, 2009. v.4. 556.

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