Se Cristo é o eterno Lógos preexistente como pode ser
chamado em S. João 3:16 de unigênito Filho de Deus?
A palavra controvertida neste verso, quanto ao seu real significado, é o
termo grego monoguenês, que necessita ser bem estudado para uma cabal
compreensão do problema. Monoguenês foi traduzida na Versão do Rei Tiago (KJV)
por unigênito, mas na Revised Standard Version (RSV) e na New English Bible
(NEB) por único.
Pode a palavra grega monoguenês ser traduzida indiferentemente por unigênito
e único? A resposta a esta pergunta encontra-se a seguir.
Monoguenês aparece nove vezes no Novo Testamento, sendo cinco vezes usada
para Cristo – S, João 1:14, 18; 3:16, 18; I João 4:9 e quatro vezes para outras
pessoas - Lucas 7:12; 8: 42; 9:38; Heb. 11:17. É uma palavra composta de monos
= um, só, único, singular e guénos = espécie; cuja tradução correta deve ser -
o único de uma espécie. Não vem do grego gennaw = gerar, pois se viesse
teria dois "nis", mas sim de givvneomai = tornar-se.
Compreendendo a etimologia da palavra poderemos entender melhor o verdadeiro
significado de monoguenês especialmente, ao ser aplicado a Jesus Cristo.
Monoguenês, proveniente de monos (um só, único) e guénos (de guinomai) não
se refere a nascer ou ser gerado, mas indica a qualidade inigualável da pessoa
a quem se aplica.
Como bem enfatizou Fernando
Kattensbruch em seu Dictionary of Christ
and the Gospels:
"Não há dúvida de que a expressão 'unigênito' indica uma nuança da
palavra grega, monoguenês, que raramente é salientada... Quando Cristo é
denominado monoguenês huios, não se dá ênfase ao fato de que Ele como Filho
'nasceu' ou foi 'gerado'... , mas sim ao fato de que Ele é o 'único' Filho, de
que como Filho de Deus é sem igual. Os tradutores latinos estavam certos ao
traduzirem essa expressão por... Filius
unicus (Filho Único), não por Filius unigenitus (filho unigênito)".
W. E. Read com bastante justeza asseverou:
"Na verdade, como algumas traduções expressam o pensamento, Jesus de
Nazaré, nosso Senhor e Salvador, foi realmente único. Era diferente de qualquer
outro ser no universo. Permanece sem igual, como o único que na qualidade de
Deus se tornou homem, sendo, enquanto estava na carne, tanto Deus como homem.
Ele era 'Emanuel... Deus conosco' (S. Mat. 1:23). Era único na Sua relação para
com o Pai; em Sua natureza divina; no fato de que revelou o Pai; no fato de que
é nosso único Salvador e Redentor; no fato de que era sem pecado, não só em Sua
natureza divina, mas também em Sua natureza humana".
O Ministério
Adventista, Jan., Fev. 75, p. 19.
O Filho de Deus chegou à existência humana recebendo vida de maneira
diferente dos outros seres, por isso, ele é chamado de Filho Único
(Monoguenês).
A palavra grega "monoguenês" pode significar único
quantitativamente (filho único) e único qualitativamente (único em sua geração,
nascimento singular, único na maneira de chegar a ser ou nascimento milagroso).
Ver S. João 1:14,18; 3:16.
Ele é "Filho Único", porque da Trindade, Cristo é o único que
recebeu o título de "Filho de Deus com poder" (Rom. 1:4) e o poder de
Deus (I Cor. 1:24). Seu nascimento é único em sua classe, porque nasceu tendo
vida própria, portanto foi um milagre.
O livro Problems in Bible Translation,
publicação da Conferência Geral, na página 202 afirma o seguinte sobre esta
palavra:
"Jesus Cristo, Deus preexistente, o divino Verbo criador, em sua
encarnação tornou-se em um sentido incomparável o Filho de Deus. Por isso é que
Ele é designado monoguenês, o único de Sua espécie, o único em muitos aspectos
do Seu ser e vida".
Vejamos se os dicionários e comentários comprovam a explicação anterior?
Lidell and Scott - único, singular;
Moulton and Milligan - literalmente - único de sua espécie, singular,
não unigênito, que é igual a monogennhtov.
Arndt and Gingrich - único (no gênero) de algo que é o exemplo
exclusivo de sua categoria... Na literatura joanina, monoguenês é usado apenas
com referência a Jesus. A significação de único pode ser perfeitamente adequada
para todas as vezes que aparece ali.
H. Cremer - Biblical
Theological Lexicon - especial preciosidade, especificamente precioso;
Theological Dictionary
of the New Testament,
vol. IV, página 739 - significa o supremo predicado da majestade,
indicando a máxima prova do amor de Deus para o mundo. Somente João usa
monoguenês para descrever a relação de Jesus com Deus. Para esta mesma relação
Marcos tem: "O huios mu o agapetós" - Meu filho amado.
Platão declarou que o céu é único (monoguenês) em sua espécie.
A Epístola de Clemente faz alusão a certa ave chamada Fênix da seguinte
maneira: Esta é a única (monoguenês) de sua espécie.
Seria interessante achar em hebraico a palavra que foi traduzida na LXX por
monoguenês, porque se amplia a nossa compreensão sobre o seu verdadeiro
significado. A palavra hebraica equivalente é "Yachid". Nas passagens
onde aparece como Salmos 22:20; 35:17; Amós 8:10 ela é traduzida na KJV, NEB e
Almeida Edição Revista e Corrigida pelas expressões: minha querida, minha
preciosa vida, predileta, filha único.
Em Lucas 7:12; 8:42
e 9:38 onde se encontra a palavra monoguenês, ela foi traduzida na KJV
por único. Em Heb.
11:17, declara: "Pela fé Abraão, quando pasto à prova, ofereceu
Isaque; estava mesmo para sacrificar o seu unigênito (monoguenês) aquele que
acolheu alegremente as promessas". Onde fala de Isaque a KJV traduz por
unigênito e a RSV por único. Sabemos que Isaque não era o unigênito porque
tinha um irmão mais velho – Ismael, e mais tarde Abraão gerou outros filhos
através de Quetura. Isaque em nenhum sentido foi unigênito, mas sim filho
singular, o único de sua espécie, o filho da promessa, visto que Ismael estava
fora da promessa (Gál. 4: 22, 23).
Em Gênesis 22:2, no texto hebraico, está "Yachid", mas na
Septuaginta aparece assim: "Toma teu filho querido (agapeton), a quem amas
(egapesas) - Isaque.
COMO SURGIU O UNIGÊNITO EM LUGAR DE ÚNICO
Uma pergunta lógica e natural vem à mente de cada um. Quem traduziu
monoguenês para unigênito – o único gerado, se a palavra não tem esta
significação?
Nas primeiras versões da Bíblia para o latim este termo foi traduzido por
"unicus" como nos
prova o Códice Vercelence de 365 AD.
O Papa Dâmaso, pediu a São Jerônimo, que revisasse as velhas versões latinas
das Escrituras, porque já havia muitas variantes de leitura em alguns versos.
Em 385 estava pronta a Revisão dos Evangelhos, onde São Jerônimo substituiu a
palavra' "unicus"
por "Unigenitus" em virtude de interesse teológico e não gramatical.
A frase que o influenciou parece ter sido uma célebre do
Credo de Epifânio - Gennhqevnta ek qeou patrov monogevnh =
único gerado de Deus o Pai. Eram necessárias duas palavras desta frase – Gennhqevnta monogevnh
- para dar a idéia de único gerado ou unigênito; mas esta expressão,
aliada a outros conceitos do Concilio de Nicéia, em defesa da Trindade, levaram
Jerônimo a traduzir monoguenês, em S. João 1:14, 18; 3:16, 18; 1 João 4:9; Heb. 11:17 por
"unigenitus", onde não houve interesse teológico ele conservou
"unicus" - Luc. 7:12; 8:42; 9:38.
Unigênito significa único e se o único não é criado, pois se o fosse não
seria único, mas apenas mais um entre os chamados filhos de Deus pela criação.
O "unigenitus" da Vulgata influenciou os tradutores da KJV de 1611
e tem influenciado as traduções em português.
O Novo Testamento na Linguagem de Hoje foi feliz em substituir unigênito por
único, corrigindo uma impropriedade lingüística. Não há neste feito nenhuma
inovação, pois simplesmente palmilharam o acertado caminho já antes seguido por
Tyndale, em 1525, por Phillips, pelos tradutores da RSV, NEB e outros.
São comuns na Bíblia as expressões: "Filho de Deus" e "Filho
do homem" com referência a Cristo. Sabemos que "Filho de Deus"
descreve a sua natureza divina, confirmando a Sua divindade, enquanto o
"Filho do homem" comprova sua natureza humana.
O SDABC, vol. VIII, página 1033 nos fornece mais os seguintes dados: "O
título 'Filho do homem' assegura-nos que o Filho de Deus realmente veio viver
na Terra, como um homem entre os homens, para que Ele pudesse morrer como um
homem pela humanidade".
CONCLUSÃO
O estudo da palavra em sua formação etimológica; nos bons dicionários e
comentários; na comparação com o hebraico e com a Septuaginta, com o seu uso
mesmo fora da Bíblia nos leva à conclusão indiscutível que monoguenês não
significa unigênito, mas sim muito querido, o único de sua espécie e que João
aplicando-o a Cristo queria indicar que Ele é incomparável e muito amado.
H. R. Reynolds em seu The Pulpit Commentary
(o Comentário do Púlpito) realçou esta verdade da singularidade de Cristo,
relatada em João 1:14, da seguinte maneira:
"A afirmação deste verso, no entanto, é inteira e absolutamente
inigualável. O pensamento é completamente novo. Strauss declara-nos que a
concepção apostólica de Jesus não tem valor histórico, pelo fato de representar
um estado de coisas que não ocorre em nenhuma outra parte da História. É
exatamente isto que os cristãos sustentam. Ele, no mais profundo sentido, é
incomparável na história da humanidade".
Os comentários e deduções desta pesquisa nos evidenciam quão significativa é
a palavra monoguenês e nos esclarecem bem, para o cuidado que devem ter os
responsáveis pela tradução do texto bíblico, para que esta transmita de maneira
exata e precisa a idéia do original.
De hoje em diante não leiamos mais S. João 3:16 como Filho unigênito, mas
sim como único, indicando a qualidade inigualável do nosso Salvador.
Sabendo que a palavra não indica nascimento ou geração humana, porém realça
a natureza e elevada dignidade de Cristo finalizaremos com a paráfrase
apresentada por W. E. Read:
"Porque Deus amou o mundo de tal maneira que deu o Seu filho, Aquele
que é incomparável e tão maravilhoso que ninguém O pode descrever, para que
todo o que nEle crê não pereça, mas tenha a eterna."
NOTA: As três fontes mais significativas no fornecimento de subsídios para
este estudo foram:
1ª.) A monografia de Dale Moody, "O Único Filho de Deus".
2ª.) Artigo de W. E. Read no Ministério
Adventista, de Janeiro e Fevereiro de 65, páginas 17 a 19.
3ª.) Problems in Bible Translation, The Review and Herald.
Por. Pedro Apolinário
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