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quarta-feira, 27 de agosto de 2014

O debate adventista sobre a Trindade

*Jerry Moon, Ph.D. Diretor do Departamento de História Eclesiástica do Seminário Teológico Adventista, Andrews University, Berrien Springs, Michigan; editor da Andrews University Seminary Studies. Revista Parousia, 2° Semestre de 2005, UNASPRESS




 Resumo: Este artigo descreve o desenvolvimento da compreensão adventista da doutrina da Trindade ao longo de mais de um século e meio de história. O autor divide esse desenvolvimento em seis períodos, nos quais são mencionadas as respectivas contribuições literárias mais significativas sobre o assunto. Especial atenção também é dada à superação do antitrinitarianismo inicial e ao ressurgimento contemporâneo desta teoria entre grupos dissidentes do adventismo.


Introdução


Quarenta anos se passaram desde que Erwin R. Gane demonstrou que a maioria dos líderes entre os primeiros adventistas do sétimo dia defendiam uma teologia antitrinitariana.1 Ele também apresentou forte evidência para uma segunda hipótese: que a co-fundadora Ellen G. White era uma exceção à opinião da maioria. “Ela era”, asseverou, “uma monoteísta trinitariana”.2 Gane não tentou reconstruir a história da mudança desde a rejeição até à aceitação do trinitarianismo, mas tratou amplamente da atuação de Ellen White na mudança teológica. Documentando, porém, dois importantes pontos de partida, ele preparou o cenário para que outros investigadores levem adiante sua obra.
Desde então, vários autores têm aceitado aspectos destes dois grandes pontos de debate. Russell Holt, em 1969, baseado na tese de Gane, adicionou outra significativa evidência concernente a Tiago White, J. N. Andrews, A. C. Bourdeau, D. T. Bourdeau, R. F. Cottrell, A. T. Jones, W. W. Prescott, J. Edson White e M. L. Andreasen. Concluindo, Holt afirmou que até 1890 o “campo era dominado por” antitrinitarianos; de 1890 a 1900, “o rumo da denominação foi decidido por declarações de Ellen G. White”, e durante o período de 1900 a 1930 morreram muitos dos principais antitrinitarianos, de sorte que por volta de 1931 o trinitarianismo “havia triunfado e se tornado o ponto de vista oficial denominacional.” Assim, Holt aproximou a trajetória histórica da presente pesquisa, embora o tamanho de sua tese não permitisse tratamento em profundidade.3
Dois anos depois, L. E. Froom, em Moviment of Destiny, apresentou um início mais antigo de trinitarianismo, afirmando que E. J. Waggoner, já no ano de 1888, tinha se tornado essencialmente trinitariano ou, no mínimo, “anti-ariano”, mas somente por “súplica especial” poderia ele sustentar este aspecto de sua hipótese.4 Contudo, Moviment of Destiny apresenta um exame mais detalhado das fontes primárias sobre trinitarianismo e antitrinitarianismo no movimento adventista do que pode ser encontrado em qualquer  outro lugar. Pela magnitude, sua obra dá uma importante contribuição para a história da teologia adventista da Divindade.
Em 1996, Merlin Burt contribuiu com detalhes e necessária profundidade para a compreensão da doutrina na primeira metade do século vinte.5 Woodrow Whidden ampliou a discussão teológica sistemática unindo os avanços em soteriologia e a nova abertura ao trinitarianismo durante a década de 1888-1898.6
Todas estas contribuições basicamente comprovam a tese original de Gane. Como resultado, sua afirmação de que muitos dos principais pioneiros do adventismo do sétimo dia eram antitrinitarianos em sua teologia, tornou-se história adventista aceita. Em 2003, porém, o significado dessa história para a fé e prática passou a ser mais calorosamente debatido do que nunca. Por um lado, alguns adventistas têm envolvido o antitrinitarianismo dos pioneiros em uma teoria de conspiração ecumênica, alegando que os dirigentes adventistas traíram a “verdade” original por amor às relações públicas, como um meio de desfazer a imagem sectária da denominação.7Por outro lado, a questão sobre se a crença em Deus como uma Trindade é realmente bíblica recebe força adicional do fato de que alguns teólogos contemporâneos da mais vasta comunidade protestante estão aceitando novamente o questionamento histórico do trinitarianismo tradicional.8
A finalidade deste artigo é examinar o processo de mudança na opinião adventista da Trindade, a fim de descobrir o que motivou as alterações, e também se elas resultaram de uma crescente compreensão bíblica ou se foram impulsionadas pelo desejo de sermos vistos como ortodoxos pela mais ampla comunidade cristã.
O desenvolvimento da doutrina da Divindade no adventismo do sétimo dia pode ser dividido em seis períodos: (1) Predominância antitrinitariana (1846-1888); (2) Insatisfação com o antitrinitarianismo (1888-1898);  (3) Mudança de paradigma (1898-1913);  (4) Declínio do antitrinitarianismo (1913-1946);  (5) Predominância trinitariana (1946-1980); e Tensões renovadas (1980 até o presente). Os três primeiros períodos foram discutidos por Gane, Holt e Froom, e o período de 1888-1957, por Merlin Burt. Entretanto, nenhum desses lidam extensamente com os problemas trinitarianos durante a crise de Kellogg9 ou o período a partir de 1980.10


Predominância antitrinitariana  (1846-1888)


De cerca de 1846 a 1888, a maioria dos adventistas rejeitava o conceito da Trindade – ao menos como eles o entendiam. Todos os principais escritores foram antitrinitarianos, embora a literatura contenha referências ocasionais a membros que mantinham opiniões trinitarianas. Ambrose C. Spicer, pai de William Ambrose Spicer, Presidente da Associação Geral, tinha sido um ministro batista do sétimo dia antes da sua conversão ao Adventismo em 1874. Evidentemente, ele continuou trinitariano, porque W. A. Spicer relatou a A. W. Spalding que seu pai “ficou tão ofendido ante a atmosfera antitrinitariana de Battle Creek que deixou de pregar.”11 S. B. Whitney tinha sido trinitariano, mas no processo de sua doutrinação como adventista em 1861, tornou-se um convicto antitrinitariano. Sua experiência evidencia que no mínimo alguns ministros ensinavam o antitrinitarianismo como um elemento essencial da instrução dos novos conversos.12 R. F. Cottrell, por outro lado, escreveu na Review que, embora ele não acreditasse na Trindade, jamais “tinha pregado contra ela” ou escrito anteriormente sobre isto.13 Uma terceira partícula de evidência de que nem todos concordavam com o antitrinitarianismo foi a observação de D. T. Bourdeau em 1890: “Embora afirmemos ser crentes e adoradores de um só Deus, tenho pensado que há tantos deuses entre nós como existem concepções da Divindade.”14
Aqueles que rejeitavam a doutrina tradicional da Trindade dos credos cristãos eram crentes sinceros no testemunho bíblico concernente à eternidade de Deus o Pai, à divindade de Jesus Cristo “como Criador, Redentor e Mediador” e à “importância do Espírito Santo.”15 Conquanto alguns, muito cedo na história adventista, sustentassem que Cristo fora criado,16 era amplamente aceito por volta de 1888 que Ele tinha preexistido “em tempos tão remotos nos dias da eternidade que para a compreensão finita Ele era “praticamente sem princípio”. Seja qual for o princípio que possa estar envolvido, não foi por “criação”.17 Além disso, eles não estavam inicialmente convictos de que o Espírito Santo fosse uma Pessoa divina individual e não meramente uma expressão para a presença, poder ou influência divina.
“Com respeito à trindade, concluí que me era impossível crer que o Senhor Jesus Cristo, o Filho do Pai, fosse também o Deus Todo-poderoso, o Pai, um e o mesmo ser”, escreveu José Bates concernentemente à sua conversão em 1827. Disse ele ao seu pai: “Se você puder me convencer de que somos um neste sentido, de que você é meu pai, e eu seu filho; e também que eu sou seu pai, e você meu filho, então eu posso crer na trindade.” Por causa desta diferença, ele preferiu unir-se à Conexão Cristã em vez de à Igreja Congregacional de seus pais.18 Alguém poderia ser tentado a descartar a afirmação de Bates como simples ignorância do significado de Trindade, mas havia então, e permanece ainda hoje, uma variedade de pontos de vista reivindicando o termo “Trindade”. Cottrell observou em 1869 que havia “uma multidão de opiniões” sobre a Trindade, “todas elas ortodoxas, eu suponho, desde que havia um assentimento nominal à doutrina.”19
Os primeiros adventistas apresentavam no mínimo seis motivos para sua rejeição do termo “Trindade”. O primeiro era que eles não viam evidência bíblica para três pessoas em uma Divindade. Isto não era uma nova objeção.20 Em sua forma mais simples, o conceito de Trindade é o resultado de afirmar, pela autoridade das Escrituras, tanto a “unidade” quanto a “triunidade” de Deus, a despeito da incapacidade humana de compreender plenamente a Realidade pessoal e divina para a qual esses termos apontam. A maneira como isto pode ser explicado tem sido o objeto de muita reflexão e especulação através dos séculos. A influência da filosofia grega sobre o desenvolvimento doutrinal da história cristã primitiva e medieval é bem conhecido.21
O segundo motivo dado pelos primeiros adventistas para a rejeição da Trindade era a concepção errônea que tornava o Pai e o Filho idênticos. Já notamos o testemunho de Bates: “Com respeito à Trindade, concluí que me era impossível crer que o Senhor Jesus Cristo, o Filho do Pai, era também o Deus Todo-poderoso, o Pai, um e o mesmo ser.”22 D. W. Hull, J. N. Loughborough, S. B. Whitney e D. M Canright partilhavam desta opinião.23 O conceito de que o Pai e o Filho são idênticos aproxima-se de uma antiga heresia chamada Monarquianismo Modalista, ou Sabelianismo (de Sabélio, um dos seus proponentes do terceiro século). Os modalistas “afirmavam que na Divindade a única diferenciação era uma mera sucessão de modos ou operações.” Os modalistas negavam a  triunidadede Deus e asseveravam que Pai, Filho e Espírito Santo não são personalidades separadas.24
Uma terceira e oposta objeção à doutrina da Trindade baseava-se na compreensão equivocada de que ela ensina a existência de três Deuses. “Se Pai, Filho e  Espírito Santo são cada um de per si Deus, seriam três Deuses”, escreveu Loughborough em 1861.25
Uma quarta opinião era que a crença na Trindade diminuiria o valor da expiação.26 Eles arrazoavam que como “o Deus sempre vivo e auto-existente” não pode morrer, então se Cristo tivesse existência própria como Deus, Ele não poderia ter morrido no Calvário. Se apenas a humanidade morreu, então Seu sacrifício era meramente um sacrifício humano, inadequado para a redenção.27 Destarte, a fim de proteger a realidade de Sua morte na cruz, os primeiros adventistas achavam que eles tinham de negar que Cristo, em Sua preexistência, possuía divina imortalidade. Conquanto este raciocínio pudesse ter parecido lógico a alguns, suas premissas básicas foram terminantemente rejeitadas por Ellen White em 1897. Ela declarou que quando Jesus morreu na cruz, “a divindade não morreu. A humanidade morreu.”28 Sua influência sobre os leitores adventistas, e a confiança destes na fonte de sua informação era tal que as implicações de tal pronunciamento não podiam ser ignoradas, dando aos eruditos adventistas mais um motivo para reavaliar seu paradigma básico concernente à Divindade.
Quinto, o fato de que Cristo é chamado “Filho de Deus” e “o princípio da criação de Deus” (Ap 3:14) era cogitado para provar que Ele devia ser de origem mais recente do que Deus o Pai.29
Sexto, argumentava-se que “há várias expressões concernentes ao Espírito Santo que indicavam que ele [sic] não podia adequadamente ser considerado como uma pessoa, tais como sendo ‘derramado’ no coração [Rm 5:5], e ‘derramarei sobre toda a carne’ [Jl 2:28].”30 Estes argumentos, porém, dependiam de dar uma interpretação muito literal a expressões que podiam também ser vistas como figuras de linguagem. Estes argumentos faziam sentido dentro de um paradigma totalmente antitrinitariano, mas quando esse paradigma foi posto em dúvida, estes pontos foram reconhecidos como sendo capazes de se ajustarem a uma ou outra interpretação.
Nenhum destes é uma objeção válida ao conceito básico trinitariano de um Deus em três Pessoas.31 No entanto, todos eles eram baseados em textos bíblicos. Finalmente os adventistas mudaram seu ponto de vista da Divindade porque chegaram a uma compreensão diferente dos textos bíblicos.

Insatisfação com o antitrinitarianismo  (1888-1898)


O enfoque em “Cristo nossa justiça”, dado pela sessão da Conferência Geral de 1888, e a consequente exaltação da cruz de Cristo, pôs seriamente em dúvida se uma divindade derivada, subordinada, podia adequadamente esclarecer o poder salvador de Cristo. E. J. Waggoner insistiu na necessidade de “apresentar a legítima posição de Cristo em igualdade com o Pai, a fim de que Seu poder para redimir pudesse ser melhor apreciado.”32 Conquanto por volta de 1890 Waggoner ainda não tivesse compreendido plenamente a infinitamente eterna preexistência de Cristo,33 ele argumentava convincentemente que Cristo não era criado, que “Ele tem ‘vida em Si mesmo’ [Jo 10:17]; Ele possui imortalidade inerente a Si mesmo.”  Waggoner insistiu na “Divina unidade do Pai e do Filho” e afirmou que Cristo é “por natureza, da própria substância de Deus, e tendo vida em Si mesmo, Ele é adequadamente chamado Jeová, o Deus vivo” (Jr 23:36), “que está em uma igualdade com Deus (Fp 2:6, ARV), “tendo todos os atributos de Deus.”34. Waggoner não era ainda plenamente trinitariano, mas ele via claramente que uma concepção mais exaltada da obra de redenção realizada por Cristo exigia uma concepção mais alta do Seu ser como Divindade. “O fato de que Cristo é uma parte da Deidade, possuindo todos os atributos da Divindade, sendo igual ao Pai em todos os aspectos, como Criador e Legislador, é a única força que há na expiação… Cristo morreu ‘para levar-nos a Deus’ (1Pe 3:18); mas se Lhe faltava um jota de ser igual a Deus, não poderia levar-nos a Ele.”35 A força deste raciocínio leva inevitavelmente ao reconhecimento da plena igualdade de Cristo também em preexistência.
Desse modo, a dinâmica da justiça pela fé e suas consequências para a doutrina de Deus provê o contexto histórico para o provocante comentário de D. T. Bourdeau de que “embora afirmemos ser crentes e adoradores de um só Deus, tenho pensado que há tantos deuses entre nós como existem concepções da Divindade.”36 Tal observação de um evangelista e missionário altamente respeitado parece indicar que a confiança coletiva no paradigma antitrinitariano estava mostrando algumas rupturas.  Outra evidência de que isto era assim apareceu dois anos depois, em 1892, quando a Pacific Press publicou um panfleto intitulado The Bible Doctrine of the Trinity (A Doutrina Bíblica da Trindade), de Samuel T. Spear. O panfleto corrigia dois conceitos equivocados prevalecentes da doutrina da Trindade, mostrando que ela “não é um sistema de triteísmo, ou a doutrina de três Deuses, mas é a doutrina de um Deus subsistindo e agindo em três pessoas, com a qualificação de que o termo ‘pessoa’… quando usado nesta relação, não deve ser compreendido em qualquer sentido que o tornaria incompatível com a unidade da Divindade.”37
Em 1898, Uriah Smith preparou Looking Unto Jesus, a mais compreensiva e cuidadosamente matizada exposição do ponto de vista não trinitariano entre os adventistas. Smith repudiou enfaticamente sua opinião anterior de que Cristo tinha sido criado, mas ainda mantinha que “somente Deus [o Pai] é sem princípio. Na época mais antiga quanto um princípio poderia ser – um período tão remoto que para mentes finitas é essencialmente eternidade –, apareceu o Verbo.” Através de algum meio não claramente revelado nas Escrituras, Cristo fora “gerado”, ou “por algum impulso ou processo divino, não criação”, Cristo fora trazido à existência pelo Pai. Em um parágrafo Smith surpreendentemente se aproxima de uma declaração trinitariana: “Esta união entre o Pai e o Filho não diminui a nenhum dos dois, mas fortalece a ambos. Por meio dela, em conexão com o Espírito Santo, temos toda a Divindade.”38   Mas esse vagaroso esforço em direção de uma compreensão mais ampla foi eclipsado pelas ousadas declarações de O Desejado de Todas as Nações, publicado no mesmo ano. O livro O Desejado de Todas as Nações produziu uma mudança de paradigma nas percepções adventistas da Divindade.


Mudança de paradigma  (1898-1913)


O período de 1898-1913 testemunhou uma quase completa inversão do pensamento adventista sobre a Trindade. Digo quase porque essa mudança de paradigma não levou à unanimidade sobre o assunto. Como documentou Merlin Burt, alguns líderes pensantes que tendiam para a “velha opinião” permaneceram vocais, mas com influência decrescente, por muitos anos.39
Contudo, a publicação de O Desejado de Todas as Nações, de Ellen White, em 1898, tornou-se a linha divisória para a compreensão adventista da Trindade. Começando com o primeiro parágrafo do livro, ela pôs em dúvida a opinião dominante dos primeiros adventistas concernente à relação de Cristo com o Pai. Declarava sua terceira sentença do Capítulo 1: “Desde os dias da eternidade o Senhor Jesus Cristo era um com o Pai” (ênfase suprida). Todavia, mesmo isto não foi suficientemente inequívoco para esclarecer o seu ponto de vista no tocante à divindade de Jesus, pois como temos visto, outros tinham usado linguagem semelhante sem crer na infinitamente eterna preexistência de Cristo. Posteriormente no livro, escrevendo sobre a ressurreição de Lázaro, ela citou as palavras de Cristo: “Eu sou a ressurreição e a vida”, e fez, em seguida, um comentário de sete palavras que começaria a mudar a maré da teologia antitrinitariana entre os adventistas: “Em Cristo há vida original, não emprestada, não derivada” (ênfase suprida).40 Em última análise, Cristo não derivava Sua vida divina do Pai. Como um homem sobre a Terra, Ele subordinou Sua vontade à vontade do Pai (Jo 5:19, 30), mas como Deus auto-existente, Ele tinha poder para depor Sua vida e tornar a tomá-la.  Desse modo, comentando sobre a ressurreição de Cristo, outra vez Ellen White asseverou Sua plena divindade e igualdade com o Pai, declarando: “O Salvador saiu do sepulcro pela vida que havia em Si mesmo.”41
Essas declarações vieram como um choque para a liderança da Igreja. M. L. Andreasen, que havia se tornado adventista apenas quatro anos antes, na idade de 18 anos, e que eventualmente lecionaria no seminário norte-americano da Igreja, afirmou que o novo conceito era tão diferente da compreensão anterior que alguns líderes preeminentes duvidaram sobre se Ellen White realmente o havia escrito.  Depois que Andreasen ingressou no ministério em 1902, ele fez uma viagem especial ao lar de Ellen White na Califórnia para investigar o assunto por si mesmo. Ellen White o recebeu e deu-lhe “acesso aos manuscritos”. Ele havia levado consigo “várias citações” para “ver se elas estavam no original do próprio manuscrito dela. Ele relembrou: “Eu estava certo de que a Irmã White jamais tinha escrito: ‘Em Cristo há vida original, não emprestada, não derivada.’ Mas agora eu descobri em seu próprio manuscrito precisamente como ele tinha sido publicado. E assim era com outras declarações. Ao examinar, descobri que elas eram as próprias expressões da Irmã White.”42
O Desejado de Todas as Nações continha declarações igualmente inflexíveis concernentes à divindade do Espírito Santo. Empregava repetidamente o pronome pessoal “ele” ao referir-se ao Espírito Santo, culminando com a impressionante declaração: “O Espírito Santo… ia ser dado como agente de regeneração, sem o qual o sacrifício de Cristo de nenhum proveito teria sido… Ao pecado só se poderia resistir e vencer por meio da poderosa operação da terceira pessoa da Trindade, a qual viria, não com energia modificada, mas na plenitude do divino poder” (ênfase suprida).43 [O texto em inglês diz: Third Person of the Godhead – Terceira Pessoa da Divindade. A palavra Trinity (Trindade) não existe nos escritos de E. G. White. – Nota do Tradutor].
Estas e outras declarações similares levaram alguns a um novo exame da evidência bíblica acerca da Divindade. Outros, descrendo que tivessem estado em erro por tantos anos, estudaram para sustentar os velhos argumentos. O testemunho de Ellen White, porém, chamando a atenção para as Escrituras cujo significado tinha sido negligenciado,44 criou uma mudança de paradigma que não poderia ser revertida. Ao se voltarem os adventistas para as Escrituras para ver “se estas coisas eram assim” (Atos 17:11), chegaram finalmente a um crescente consenso de que o conceito básico da Trindade era uma verdade bíblica a ser aceita e abraçada.
Conquanto O Desejado de Todas as Nações pusesse em movimento uma mudança de paradigma no tocante à compreensão adventista da Divindade, ele não era a última palavra de Ellen White sobre o assunto. Posteriormente, durante a crise de Kellogg de 1902-1907, ela usou repetidamente expressões como “três pessoas vivas do trio celestial”, embora continuasse mantendo a unidade essencial da Divindade. Assim, ela afirmou a pluralidade e a unidade, a triunidade e a unicidade, os elementos fundamentais de uma compreensão simples e bíblica da Trindade.45
Evidência de que ao menos uma porção da liderança da Igreja reconheceu as declarações de O Desejado de Todas as Nações como removendo as objeções a uma doutrina bíblica da Trindade é um sumário das crenças adventistas publicado por F. M. Wilcox na Review and Herald, em 1913. Wilcox, editor do mais influente periódico denominacional, escreveu que “os adventistas do sétimo dia crêem 1) Na Trindade divina. Essa Trindade consiste do eterno Pai,… do Senhor Jesus Cristo,… [e] do Espírito Santo, a terceira pessoa da Divindade.”46

Declínio do antitrinitarianismo (1913-1946)


A despeito da declaração de Wilcox na Review (ou talvez por cauda dela), o debate sobre a Trindade intensificou-se nas primeiras décadas do século vinte. Na Conferência Bíblica de 1919, a eternidade de Cristo e Sua relação com o Pai foram os principais e não resolvidos assuntos do debate. Curiosamente, em vista da declaração de Ellen White, em O Desejado de Todas as Nações, de que a vida de Cristo era “não derivada”, até mesmo W. W. Prescott, o mais notável proponente de uma opinião trinitariana na conferência, defendia que a existência de Cristo era sob certos aspectos “derivada” do Pai.47 Isto pode constituir evidência de que a liderança não estava contente em simplesmente aceitar o pronunciamento de Ellen White sem examiná-lo por si mesmos nas Escrituras. Ou talvez, mostre a consciente ou inconsciente reflexão de Prescott sobre fontes clássicas trinitarianas.48
A polarização do Cristianismo americano entre modernismo e fundamentalismo nas primeiras duas décadas do século 20 tendia a aproximar os adventistas de uma posição trinitariana, sendo que em tantas outras áreas – como evolução, crença no sobrenatural, nascimento virginal de Cristo, milagres, ressurreição literal – os adventistas estavam em oposição aos modernistas e simpatizavam com os fundamentalistas.49
Em 1930, a Associação Geral dos Adventistas do Sétimo Dia recebeu uma solicitação de sua Divisão Africana de que “uma declaração de fé dos adventistas fosse impressa no Year Book para ajudar “os oficiais do governo e outros a compreender melhor a nossa obra.” Em resposta, a Comissão da Associação Geral apontou uma subcomissão (que consistia de M. E. Kern, secretário associado da Associação Geral; F. M. Wilcox, editor da Review and Herald;  E. R. Palmer, gerente daReview and Herald; e C. H. Watson, presidente da Associação Geral) a fim de preparar uma declaração das crenças adventistas.50 Wilcox, como o principal escritor entre eles, esboçou uma declaração de 22 pontos, que foi subseqüentemente publicada no SDA Year Book de 1931.51 O segundo ponto falava da “Divindade, ou Trindade”, e o terceiro afirmava “que Jesus Cristo é verdadeiro Deus”, um eco do credo niceno. Para que ninguém pense que os adventistas pretendiam formar um credo, “nenhuma aprovação formal ou oficial” foi procurada para a declaração. Quinze anos mais tarde, quando a declaração havia obtido aceitação geral, a assembléia da Associação Geral de 1946 a tornou oficial, votando que “nenhuma revisão desta Declaração de Crenças Fundamentais, como aparece agora no Manual da Igreja, deve ser feita em qualquer tempo exceto em uma assembléia da Associação Geral.”52 Isto assinalou o primeiro endosso oficial de uma opinião trinitariana pela Igreja, embora “o último dos bem conhecidos expositores” continuasse a “defender a ‘velha’ opinião” até a sua morte em 1968.53

Predominância trinitariana        (1946-1980)


Desde a aposentadoria de F. M. Wilcox em 194454 até à publicação de Movement of Destiny em 1971,55 L. E. Froom foi o mais visível campeão do trinitarianismo entre os adventistas do sétimo dia. Seu livro The Coming of the Comforter (A Vinda do Consolador) foi sem precedentes entre os adventistas (exceto em algumas passagens de Ellen White) em sua exposição sistemática da personalidade do Espírito Santo e da natureza trinitariana da Divindade.56 A importante atuação de Froom no preparo da obra de 1957, Questions on Doctrine, tem sido amplamente documentada em outra parte.57 Questions on Doctrine despertou uma tempestade de controvérsia por certas declarações sobre cristologia e a expiação, mas sua clara afirmação da “Trindade celestial”58permaneceu virtualmente incontestada – talvez porque M. L. Andreasen, o principal crítico do livro em outras áreas era um trinitariano convicto.59 A palavra final de Froom foi seu livro de 700 páginasMovement of Destiny publicado em 1971. Apesar dos “exemplos de defesa especial” e problemas de preconceitos históricos que “diminuem um pouco a obra como história confiável”,60 ele todavia documenta inteiramente o movimento da teologia adventista em direção de um consenso bíblico trinitariano.
O clímax desta fase de desenvolvimento doutrinal foi uma nova declaração de crenças fundamentais, votada pela assembléia da Associação Geral de 1980 em Dallas.  A nova declaração de vinte e sete “Crenças Fundamentais”, como a declaração de 1931, afirmava explicitamente a crença na Trindade. A afirmação vinha no segundo artigo da declaração (em seguida a um preâmbulo e um primeiro artigo sobre a inspiração e autoridade das Escrituras). “2. A Trindade[.] Há um só Deus: Pai, Filho e Espírito Santo, uma unidade de três Pessoas coeternas.”61 O artigo 4 afirma que “Deus o eterno Filho encarnou-Se em Cristo Jesus… Para sempre verdadeiro Deus, Ele tornou-Se também verdadeiro homem.”62 O artigo 5 declara que “Deus o eterno Espírito estava ativo com o Pai e o Filho na Criação, encarnação e redenção”, e foi “enviado pelo Pai e o Filho para estar sempre com Seus filhos.”63 Em vários pontos, a declaração ecoa a terminologia dos credos clássicos trinitarianos, até mesmo incluindo a cláusula do Filioquê com referência ao Espírito Santo.64
Uma breve recapitulação das declarações de fé adventistas pode esclarecer o significado do voto de 1980. A primeira Declaração de Princípios Fundamentais Ensinados e Praticados pelos Adventistas do Sétimo Dia (1872) foi a obra de Uriah Smith.65 Seus dois primeiros artigos tratam do Pai, Filho e Espírito Santo.
- I -
Que há um só Deus, um ser pessoal e espiritual, o criador de todas as coisas, onipotente, onisciente e eterno, infinito em sabedoria, santidade, justiça, bondade, verdade e misericórdia; imutável  e  presente em toda parte pelo seu representante, o Espírito Santo (Sl 139:7).
- II -
Que há um só Senhor Jesus Cristo, o Filho do Eterno Pai, por meio de quem Deus criou todas as coisas, e por meio de quem elas consistem; que ele tomou sobre si a natureza da semente de Abraão para a redenção de nossa raça caída; que ele habitou entre os homens cheio de graça e de verdade, viveu como nosso exemplo, morreu como nosso sacrifício, ressurgiu para nossa justificação, ascendeu às alturas para ser nosso único mediador no santuário do céu, onde, com o seu próprio sangue faz expiação por nossos pecados.66
É notável que embora não haja nenhuma referência ao termo Trindade, não há qualquer manifestação polêmica contra uma posição trinitariana. Smith estava se esforçando claramente para aderir tanto quanto possível à linguagem bíblica. A declaração representava um consenso na época, mas, em harmonia com sua explícita desaprovação no preâmbulo de qualquer declaração de credo,67nunca lhe foi dada a aprovação oficial.
A segunda declaração de “Princípios Fundamentais” (1889), também de Uriah Smith,68 é igualmente uma declaração de consenso que evita estimular quaisquer pontos de discordância. Como acontece com a declaração de 1872, o preâmbulo mantém “nenhum credo senão a Bíblia”, e além disso  afirma que “as seguintes proposições podem ser compreendidas como um sumário das principais características de sua [dos adventistas do sétimo dia] fé religiosa, sobre a qual existe, tanto quanto sabemos, inteira unanimidade em todo o corpo de crentes” (ênfase suprida).69Evidentemente, Smith não considerava os excelentes pontos da doutrina da Divindade como tendo destaque entre as “principais características” da fé adventista naquele tempo, porque dificilmente ele poderia ter deixado de perceber que havia certos  desacordos de pouca importância relacionados com a Trindade.70 O artigo I de 1872 (citado acima), foi reproduzido sem mudança na declaração de 1889. O artigo II da declaração de 1889 tem algumas modificações na linguagem acerca da obra de Cristo, mas nenhuma mudança substancial em sua referência à pessoa de Cristo.71 Uma vez que esses artigos aderem estritamente à terminologia bíblica, podem ser interpretados favoravelmente tanto por antitrinitarianos quanto por trinitarianos.
A terceira declaração de “Crenças Fundamentais dos Adventistas do Sétimo Dia”,72  preparada sob a direção de uma comissão, foi realmente escrita por F. M. Wilcox, editor da Review and Herald.73 Quinze anos mais tarde, em 1946, ela tornou-se a primeira declaração a ter o endosso oficial de uma sessão da Associação Geral.74   Declara o artigo 2:
Que a Divindade, ou Trindade, consiste do Pai Eterno, um Ser pessoal, espiritual,  onipotente, onipresente, onisciente, infinito em sabedoria e amor; o Senhor Jesus Cristo, o Filho do Eterno Pai, por intermédio de quem todas as coisas foram criadas e através de quem a salvação das hostes redimidas será realizada; o Espírito Santo, a terceira pessoa da Divindade, o grande poder regenerador na obra de redenção (Mt 28:19).75
Destarte, a declaração votada em Dallas em 1980 foi a quarta declaração de crenças fundamentais dos adventistas do sétimo dia, mas apenas a segunda a ser votada oficialmente por uma assembléia da Associação Geral. Poder-se-ia esperar que a adoção oficial da explicitamente trinitariana declaração de Dallas trouxesse encerramento ao debate de um século, mas ela demonstrou ser a precursora de tensões renovadas.

Tensões renovadas e prosseguimento do debate  (1980 ao presente)


O período de 1980 até o presente tem sido caracterizado por renovado debate ao longo de um espectro de idéias desde as reacionárias às contemporâneas. Logo depois da declaração de Dallas – e talvez em reação a ela – vozes das “extremidades” da Igreja começaram a defender que as antigas opiniões dos pioneiros estavam corretas, que as declarações aparentemente trinitarianas de Ellen White tinham sido mal-interpretadas e que a declaração de Dallas representava apostasia das crenças bíblicas dos pioneiros.76 Alguns, em aparente ignorância do voto de 1946, criam que a declaração de Dallas era a primeira declaração de fé adventista oficialmente votada, e portanto, que sua própria existência era uma aberração do modelo histórico.77   Citações das fontes primárias, extraídas do seu contexto histórico e reacondicionadas em plausíveis teorias conspiratórias, mostravam-se bastante convincentes para muitos.78
Um incremento mais substancial era a incessante investigação para articular uma doutrina bíblica da Trindade, claramente diferenciada das pressuposições filosóficas gregas que envolviam as tradicionais declarações dos credos. Raoul Dederen havia apresentado em 1970 uma breve exposição da Divindade do Antigo e do Novo Testamento.79 Ele rejeitava a “Trindade do pensamento especulativo” que criava filosóficas “distinções dentro da Divindade para o que não havia base definível dentro do conhecimento revelado de Deus.” Em vez disso, ele defendia o exemplo dos apóstolos: “Rejeitando os termos da mitologia grega ou da metafísica, eles expressavam suas convicções em uma despretenciosa confissão de fé trinitariana, a doutrina de um só Deus subsistindo e agindo em três pessoas.”80
Edificando sobre esta linha de raciocínio, Fernando Canale, aluno de Dederen, apresentou em 1983 uma crítica radical das pressuposições filosóficas gregas destacando o que Dederen havia classificado como “pensamento especulativo”. A tese doutoral de Canale, A Criticism of Theological Reason, afirmava que a teologia católica romana e a teologia clássica protestante tiravam seus mais básicos pressupostos acerca da natureza de Deus, tempo e existência, de uma “estrutura” provida pela filosofia aristotélica. Canale afirmava que para a teologia cristã tornar-se realmente bíblica, ela deveria derivar seus “pressupostos primordiais” das Escrituras, não da filosofia grega.81
No mais recente Handbook of Seventh-day Adventist Theology (2000), editado por Dederen, Canale foi o autor de um artigo magistral sobre as descobertas de sua contínua obra no que tange à doutrina de Deus. Novamente, Canale faz explicitamente a diferenciação entre uma doutrina de Deus baseada nas pressuposições filosóficas gregas e uma baseada nos pressupostos bíblicos,82defendendo fortemente sua opinião de que somente através de uma disposição de “partir da concepção filosófica de Deus como atemporal” e “abraçar a concepção histórica de Deus conforme apresentada na Bíblia”, pode alguém descobrir um ponto de vista realmente bíblico da Trindade.83
A terceira linha de raciocínio procura localizar o trinitarianismo adventista no contexto da teologia sistemática contemporânea. Aprovando o descontentamento de Canale com a teologia clássica, mas conduzindo a crítica em uma direção diferente, estava a obra The Reign of God, de Richard Rice (1985). Rice afirmava que a Trindade estava implícita, embora não explícita, nas Escrituras.84 Fritz Guy, em Thinking Theologically (1999), concorda que “as formulações tradicionais” da doutrina da Trindade “não são inteiramente satisfatórias.”85 Ele deprecia uma percebida tendência em direção do triteísmo86 e favorece a atualização da linguagem para torná-la mais “funcional e do gênero neutro.”87O livro de Guy, porém, não é uma exposição sistemática da doutrina de Deus ou da Trindade, e os leitores devem acautelar-se de ler demasiado em breves referências ilustrativas. A forma como suas sugestões finalmente afetarão a discussão ainda está para ser vista.

 

 Conclusão


O longo processo de mudança desde a rejeição inicial do trinitarianismo dos credos pelos primeiros adventistas até à sua eventual aceitação de uma doutrina da Trindade poderia ser corretamente chamada de uma busca por uma Trindade bíblica.  Eles não eram tão preconceituosos contra as fórmulas tradicionais, mas estavam decididos a seguir à risca sua doutrina o mais perto possível das Escrituras. A fim de basear suas crenças somente nas Escrituras e privar a tradição de exercer qualquer autoridade teológica, eles achavam metodologicamente essencial rejeitar toda doutrina não claramente fundamentada apenas nas Escrituras. Sendo que a doutrina tradicional da Trindade continha claramente elementos não escriturísticos, eles a rejeitaram.
Finalmente, porém, eles se convenceram de que o conceito básico de um só Deus em três pessoas era realmente encontrado nas Escrituras. Um artigo a ser publicado na próxima edição deParousia considerará mais detalhadamente a atuação de Ellen White neste processo.

Referências

1 Artigo traduzido do original em inglês por Francisco Alves de Pontes. Salvo indicação diversa, os textos bíblicos utilizados na tradução são extraídos da Versão Almeida Revista e Atualizada.
2 Erwin R. Gane, “The Arian or Anti-Trinitarian Views Presented in Seventh-day Adventist Literature and the Ellen G. White Answer” (dissertação de mestrado, Andrews University, 1963).
3 Russel Holt,  “The Doctrine of the Trinity in the Seventh-day Adventist Denomination: Its Rejection and Acceptance” (Monografia, Seventh-day Adventist Theological Seminary, 1969), 25.
4 LeRoy Edwin Froom, Movement of Destiny (Washington, DC: Review and Herald, 1971), 279. Uma resenha crítica contemporânea chama o argumento de Froom a esta altura de um exemplo de “defesa especial” (C. Mervyn Maxwell, resenha crítica de Movement of Destiny por LeRoy Edwin Froom, in AUSS 10 [janeiro de 1972]: 121).
5 Merlin Burt, “Demise of Semi-Arianism and Anti-Trinitarianism in Adventist Theology, 1888-1957” (monografia, Andrews University, 1996). Ellen G. White Research Center, Andrews University. A dissertação de Burt estende alguns elementos da história até 1968.
6 Woodrow W. Whidden, “Salvation Pilgrimage: The Adventist Journey into Justification by Faith and Trinitarianism,” Ministry, abril de 1998, 5-7.
7 David Clayton, “The Omega of Deadly Heresies,” s.e., s.d. [ca. 2000], nos arquivos do autor.  Cf. Idem, “Some Facts Concerning the Omega Heresie,” www.restorationministry.com/open face/ html/2000/open face/2000.html;  acessado em 10 de março de 2003. Veja também Bob Deiner e outros em nn. 76-78 abaixo.
8 Veja e.g., Anthony F. Buzzard e Charles F. Hunting, The Doctrine of the Trinity, Christianity’s Self-Inflicted Wound (Bethesda, MD: Christian Universities Press, 1998).
9 Veja Froom, 349-356. A aceitação do trinitarianismo por J. H. Kellogg será explorada em artigo a ser publicado na próxima edição de Parousia.
10 Veja Fernando L. Canale, “Doctrine of God,” em Handbook of Seventh-day Adventist Theology, ed. Raoul Dederen, Commentary Reference Series, vol. 12 (Hagerstown, MD: Review and Herald, 2000), 117-118, 126, 128-129, 132, 138-140, 145, 148-150.
11 A. W. Spalding para H. C. Lacey, 2 de junho de 1947, Adventist Heritage Center, Andrews University.
12 Seymour B. Whitney, “Both Sides,” Review and Herald, 25 de fevereiro e 4 de março de 1862, 101-103, 109-111.
13 R. F. Cottrell, “The Doctrine of the Trinity,” Review and Herald, 1º de junho de 1869.
14 D. T. Bourdeau, “We May Partake of the Fullness of the Father and the Son,” Review and Herald, 18 de novembro de 1890, 707.
15 Gane, 109.
16 E.g., Uriah Smith, Thoughts, Critical and Practical on the Book of Revelation (Battle Creek, MI: Seventh-day Adventist Publishing Association, 1865), 59. Posteriormente ele repudiou esta opinião (idem, Looking Unto Jesus [Battle Creek: Review and Herald, 1898], 12, 17).
17 E. J. Waggoner, Christ and His Righteousness (Oakland, CA: Pacific Press, 1890), 21-22; cf. Uriah Smith, Looking Unto Jesus, 12, 17.
18 Joseph Bates, The Autobiography of Elder Joseph Bates (Battle Creek, MI: SDA Publishing Association, 1868), 205.
19 Cottrell, The Doctrine of the Trinity.
20 Os nomes de Ário, Serveto e Socino vêm à mente. Deuteronômio 6:4 ensina claramente que Deus é um, mas embora o escritor pudesse ter usado o termo yakid para denotar um solitário “um”, o termo escolhido foi o hebraico ‘ekad, que denota um composto “um” ou um de um grupo, em contraste com um solitário ou enfático “um”. A mesma palavra, ‘ekad, é usada em Gênesis 2:24 para a unidade de marido e mulher, que se tornam “um”, mas dentro desta unidade, ainda retêm sua individualidade (Woodrow Whidden, “The Strongest Bible Evidence for the Trinity,” in The Trinity: Understanding God’s Love, His Plan of Salvation, and Christian Relationships, Woodrow Whidden, Jerry Moon e John Reeve [Hagerstown, MD: Review and Herald, 2002], 33-34). Uma extensa discussão da evidência bíblica está além do escopo deste artigo, mas basta dizer que o Antigo e o Novo Testamento contêm indicações de que o Único Deus não é meramente solitário, e o Novo Testamento explicitamente se refere ao Pai, Filho e Espírito Santo (veja, por ex., Mt 28:19, 2Co 13:13) (ibid., 21-117).
21 Veja Jerry Moon, “The Trinity in the Reformation Era: Four Viewpoints,” in The Trinity: Understanding God’s Love, His Plan of Salvation, and Christian Relationships, 166-181.
22 Bates, 205.
23 Gane, 104.
24 F. L. Cross, ed., Oxford Dictionary of the Christian Church, 2d ed. (Oxford: Oxford University Press, 1983), “Monarchianism” (veja também  “Modalism” e “Sabellianism”).
25 J. N. Loughborough, “Questions for Bro. Loughborough,” Advent Review and Sabbath Herald de 5 de novembro de 1861, 184.
26 Gane, 105.
27 J. H. Waggoner, The Atonement [Oakland, CA: Pacific Press, 1884), 173. Smith faz uma argumentação semelhante em Looking Unto Jesus, 23.
28 E. G. White, Manuscrito 131, 1897, citado em SDA Bible Commentary, ed. Francis D. Nichol (Washington, DC: Review and Herald, 1954), 5:1113. Posteriormente ela escreveu outra vez: “A humanidade morreu: a divindade não morreu” (idem, “The Risen Savior,” Youth’s Instructor, 4 de agosto de 1898, parágrafo 1).
29 Uriah Smith, Thoughts on the Book of Daniel and the Revelation (Battle Creek, MI: Review and Herald, 1882), 487; idem, Looking Unto Jesus, 10.
30 Uriah Smith, “In the Question Chair,” Review and Herald, 23 de março de 1897, 188.
31 O termo “pessoa”, conforme aplicado a Deus indica um ser com personalidade, intelecto e vontade. Dessemelhantes dos múltiplos deuses do politeísmo, as três pessoas da Divindade bíblica são profundamente “um em propósito, em mente, em caráter, mas não em pessoa.” Assim, a despeito de sua individualidade, eles nunca estão divididos, nunca em conflito, e deste modo não constituem três deuses, mas um só Deus.
32 Waggoner, 19.
33 Ibid., 21-22.
34 Ibid., 22-23, 25.
35 Ibid., 44.
36 Bourdeau, 707.
37 Samuel T. Spear, “The Bible Doctrine of the Trinity, Bible Students,” Library, nº 90 (março de 1892), 3-14, reimpresso de New York Independent, 14 de novembro de 1889.
38 Smith, Looking Unto Jesus, 3, 10, 17, esp. 13.
39 De acordo com Burt, 54, o último dos adventistas antitrinitarianos dos “velhos tempos” morreu em 1968. Uma nova geração de neo-antitrinitarianos surgiria na década de 1980 (veja abaixo).
40 E. G. White, O Desejado de Todas as Nações, 22ª ed. (Tatuí, SP: Casa Publicadora Brasileira, 2003), 530.
41 Ibid., 785, veja também os próximos dois parágrafos.
42  M. L. Andreasen, “The Spirit of Prophecy,” palestra em Loma Linda, Califórnia, 30 de novembro de 1948, Adventist Heritage Center, Andrews University, 3-4.
43 White, O Desejado de Todas as Nações, 669-671.
44 Textos bíblicos citados por Ellen White apoiando vários aspectos de uma opinião trinitariana inclusive Rm 8:16 (Evangelismo, 3ª ed [Tatuí, SP: Casa Publicadora Brasileira, 1999], 617); 1Co 2:10-14 (ibid.); Jo 16:7-14 (ibid., 616); Jo 14:16-18, 26; 16:8, 12-14 (O Desejado de Todas as Nações, 669-671); e Cl 2:9 (Evangelismo, 614).
45 Estas declarações e seu contexto na crise de Kellogg serão tratados com mais detalhes em artigo a ser publicado na próxima edição de Parousia.
46 [F. M. Wilcox], “The Message for Today,” Review and Herald, 9 de outubro de 1913, 21. Sou grato a Bill Fagal do Centro de Pesquisa Ellen White da Andrews University por me chamar a atenção para esta fonte.
47 >W. W. Prescott, “The Person of Christ,” apresentação de 2 de julho de 1919 in “Bible Conference Papers 1-8, 1-19 de julho de 1919” [paginação contínua, p. 69; 2 de julho, sessão da tarde, p. 20], Adventist Heritage Center, Andrews University; veja também Burt, 25-27.
48 A geração do Filho pelo Pai é uma formulação agostiniana (Oxford Dictionary of the Christian Church, “Trinity, Doctrine of the.” Cf. W. W. Prescott, The Doctrine of Christ: A Series of Bible Studies for Use in Colleges and Seminaries (Washington, DC: Review and Herald, 1920), 3, 20-21; veja também Burt, 30-33.
49 Prescott, 33.
50 “General Conference Committee Minutes”, 29 de dez. De 1930, 195, Adventist Heritage Center, Andrews University.
51 Froom, 413-414.
52 “Fifteen Meeting,” General Conference Report Nº 8, Review and Herald, 14 de junho de 1946, 197. Froom, 419, atribui esse voto à sessão de 1950. Ele, evidentemente, leu sua fonte com muita pressa; a sessão de 1950 apenas reiterou o voto da sessão de 1946 (“Fifteen Meeting,” General Conference Report Nº 10, Review and Herald, 23 de julho de 1950, 230).
53 Burt, 54.
54 Wilcox foi editor da Review and Herald (atualmente Adventist Review), o periódico geral da Igreja dos Adventistas do Sétimo Dia, de 1911 a 1944 (SDA Encyclopedia [Hagerstown, MD: Review and Herald, 1996], “Wilcox, Francis McClellan”).
55 Veja nota 3, acima.
56 LeRoy Edwin Froom, The Coming of the Comforter, ed.rev. (Washington, DC: Review and Herald, 1949), 37-57. Cf. E. G. White, Special Testimonies, Series B, nº 7 (1905), 62-63.
57 [L. E. Froom, W. E. Read e R. A. Anderson,] Seventh-day Adventists Answer Questions on Doctrine (Washington, DC: Review and Herald, 1957); cf. T. E. Unruh, “The Seventh-day Adventist Evangelical Conferences of 1955-1956,” Adventist Heritage Nº 4 (Fourth Quarter 1977), 35-46; e Jerry Moon, “M. L. Andreasen, L. E. Froom, and the Controversy over Questions on Doctrine” (monografia, Andrew University, 1988).
58 Froom, Read e Anderson, 36-37, 645-646.
59 M. L. Andreasen, “Christ, the Express Image of God,” Review and Herald, 17 de outubro de 1946, 8; veja também Burt, 43.
60 Maxwell, 119-122.
61 Manual da Igreja (Tatuí, SP: Casa Publicadora Brasileira, 2003), 9.
62 Ibid., 33.
63 Ibid.
64 Veja Oxford Dictionary of the Christian Church,  “Filioque.”
65 Uriah Smith, A Declaration of the Fundamental Principles Taught and Practiced by the Seventh-day Adventists (Battle Creek, MI: SDA Publishing Association, 1872), 1.
66 Ibid., 2-3.
67 O parágrafo inicial de Smith declara: “Ao apresentar ao público esta sinopse de nossa fé, desejamos que seja distintamente compreendido que não temos nenhum artigo de fé, credo ou disciplina, além da Bíblia. Não apresentamos isto como tendo qualquer autoridade sobre nosso povo, nem é destinada a assegurar uniformidade entre ele, como um sistema de fé, mas é uma breve declaração do que é e tem sido, com grande unanimidade, mantida por ele. Com freqüência achamos necessário responder a indagações sobre este assunto… Nosso único objetivo é satisfazer a esta necessidade” (ibid., 1).
68 “Fundamental Principles,” SDA Year Book, (Battle Creek, MI: SDA Publishing Association, 1889), 147-151.
69 Ibid., 147.
70 A declaração de D. T. Bourdeau, atestando que havia entre os adventistas do sétimo dia “muitas… concepções da Divindade”, apareceu na Review and Herald, da qual Smith era o editor, somente um ano mais tarde.
71 A única mudança na parte que se referia à pessoa de Cristo foi a substituição do pronome “ele” [sic] pelo nome pessoal “Deus” na primeira sentença. Diz a declaração de 1889: “Há um só Senhor Jesus Cristo, o Filho do Eterno Pai, aquele por quem ele criou todas as coisas” (“Fundamental Principles,” Seventh-day Adventist Year Book [1889], 147).
72 “Fundamental Beliefs of Seventh-day Adventists,” Seventh-day Adventist Year Book, (Washington, DC: Review and Herald, 1931), 377-380.
73 Para detalhes do processo, veja Froom, 413-415.
74 “Fifteen Meeting,” General Conference Report Nº 8, Review and Herald, 14 de junho de 1946, 197.
75 “Fundamental Beliefs of Seventh-day Adventists,” Seventh-day Adventist Year Book, (1931), 377.
76 “The Doctrine of the Trinityin Adventist History,” Liberty Review [5250] Johnstown Road, Mt. Vernon, Ohio], outubro de 1989, 4-5, 7-8. Cf. Lynnford Beachy, “Adventist Review Perpetuates the Omega,” Old Paths Smyrna Gospel Ministries, HC64, Box 128-B, Welch, WV; websitewww.smyrna.org], vol. 8, nº. 7, julho de 1999, 1-14.
77 “The Doctrine of the Trinity in Adventist History,” Liberty Review, outubro de 1989, 7.
78 Veja esp. Clayton, ref. nº 6 acima; e Bob Diener, The Alpha and the Omega (Creal Springs, IL: Bible Truth Productions, n.d. [ca. 1998], videocassete.
79 Raoul Dederen, “Reflections on the Doctrine of the Trinity,”AUSS 8 (1970) 1-22.
80 Ibid., 13, 21.
81 Fernando Luis Canale, A Criticism of Theological Reason: Time and Timelessness as Primordial Presuppositions, Andrews University Seminary Doctoral Dissertation Series, vol. 10 (Berrien Springs, MI: Andrews University Press, 1983), 359; 402, nº 1.
82 Canale, “Doctrine of God,” 105-159; veja esp. 117-118, 126, 128-129, 132, 138-140, 145, 148-150.
83 Ibid., 150.
84 Richard Rice, The Reign of God, 2ª ed. (Berrien Springs, MI: Andrews University Press, 1985), 60-61.
85 Fritz Guy, Thinking Theologically: Adventist Christianity and the Interpretation of Faith (Berrien Springs, MI: Andrews University Press, 1999), 130; veja também 70, 88, 151, e suas notas.
86 Ibid., 70.
87 Ibid., 151.

segunda-feira, 21 de julho de 2014

A Trindade na Bíblia: uma visão Adventista



“Há um só Deus: Pai, Filho e Espírito Santo, uma unidade de três Pessoas coeternas” – Crença Fundamental nº 2

Gerhard Pfandl
Ph.D., diretor associado do Instituto de Pesquisa
Bíblica da Associação Geral da IASD

 A doutrina da Trindade (do latim trinitas = “triunidade” ou “três-em-unidade”) é uma das mais importantes doutrinas da fé cristã. Mas ultimamente alguns têm questionado sua validade. Por exemplo, em uma monografia, Fred Allaback argumenta que “a Igreja Adventista do Sétimo Dia não cria na doutrina da Trindade até muito tempo depois da morte de Ellen G. White”.1 “Os pioneiros adventistas”, escreveu ele, “acreditavam que em um ponto longínquo da eternidade somente um Ser divino existia. Então esse Ser divino teve um Filho.”2 Dessa forma, Cristo teve um começo. Com respeito ao Espírito Santo, Allaback crê que Ele é o Espírito de Deus e de Cristo; não um outro Ser divino.3
A mesma visão é adotada por Bill Stringfellow,4 Rachel Cory-Kuehl5 e Allen Stump.6 Todos esses ensinam que em um ponto no tempo Jesus não existia; e que o Espírito Santo é apenas uma força. Stringfellow diz: “Houve um certo e específico dia quando Deus deu à luz Seu Filho … Houve um tempo (embora seja impossível identificá-lo precisamente no passado) quando Cristo não existia.”7

 

 O MISTÉRIO

 

Embora a palavra Trindade não seja encontrada na Bíblia (nem a palavra encarnação), o ensinamento que ela descreve é encontrado ali. A doutrina da Trindade estabelece o conceito de que há três Seres plenamente divinos: Pai, Filho e Espírito Santo, que formam um Deus.8 Por sua vez, Ellen White usa o termo “Divindade” que é encontrado em Romanos 1:20 e Colossenses 2:9. Através dessa palavra ela transmite a mesma idéia contida no termo Trindade, ou seja, há três Seres viventes na Divindade. Segundo uma de suas declarações, “há três pessoas vivas pertencentes ao Trio celeste; em nome destes três grandes poderes – o Pai, o Filho e o Espírito Santo – os que recebem a Cristo por fé viva são batizados, e esses poderes cooperarão com os súditos obedientes do Céu em seus esforços para viver a nova vida em Cristo”.9
O próprio Deus é um mistério,10 quanto mais a encarnação ou a Trindade. Entretanto, isso não deveria nos embaraçar, já que os diferentes aspectos desses mistérios são ensinados nas Escrituras. Embora não possamos compreender tudo sobre a Trindade, necessitamos tentar entender, tanto quanto possamos, o ensino bíblico a seu respeito. Todas as tentativas para explicá-la serão insuficientes, “especialmente quando refletimos sobre a relação das três pessoas com essência divina … todas as analogias são limitadas e nós nos tornamos profundamente conscientes de que a Trindade é um mistério muito além da nossa compreensão. É a incompreensível glória da Divindade”.11
Portanto, é sábio admitir que o homem “não pode compreendê-la nem torná-la compreensível. É compreensível em algumas de suas relações e modos de se manifestar, mas ininteligível em sua natureza essencial”.12 Certos elementos se tornarão claros, e outros permanecerão um mistério, pois “as coisas encobertas pertencem ao Senhor nosso Deus; porém as reveladas nos pertencem a nós e a nossos filhos para sempre, para que cumpramos todas as palavras desta lei” (Deut. 29:29). Onde não temos uma palavra clara das Escrituras o silêncio é ouro.13

 

NO ANTIGO TESTAMENTO

 

Algumas passagens do Antigo Testamento sugerem, ou implicam a existência de Deus em mais de uma pessoa. Quando não necessariamente em uma Trindade, pelo menos em duas pessoas.
Gênesis 1. No relato da criação em Gênesis 1, a palavra traduzida como Deus é ’Elohim, a forma plural de ’Eloha. Geralmente essa forma é interpretada como um plural de majestade ao invés da idéia de pluralidade. Entretanto, G. A. F. Knight argumenta que essa interpretação corresponde a ler um conceito moderno no texto hebraico antigo, desde que os reis de Israel e Judá são tratados na forma singular, no relato bíblico.14 Knight aponta que as palavras hebraicas para água e céu também são plurais. Os gramáticos nomeiam esse fenômeno como plural quantitativo. A água pode aparecer em forma de pequenas gotas ou grandes oceanos. Essa diversidade quantitativa em unidade, segundo Knight, é uma forma adequada de compreender o plural ’Elohim. E também explica por que o substantivo singular ’Adonai é escrito como plural.15
Em Gênesis 1:26, lemos: “Também disse Deus [singular]: Façamos [plural] o homem à nossa [plural] imagem, conforme a nossa [plural] semelhança…” O que é significativo aqui é a mudança do singular para o plural. Moisés não está usando o verbo no plural com ’Elohim, mas Deus está usando um verbo e um pronome no plural, em referência a Si mesmo. Alguns intérpretes acreditam que Deus está falando aqui de anjos. Mas, de acordo com as Escrituras, os anjos não participaram da criação. A melhor explicação é que, já no primeiro capítulo de Gênesis, há uma indicação de pluralidade de pessoas em Deus.
Deuteronômio 6:4. De acordo com Gênesis 2:24, “deixa o homem pai e mãe, e se une à sua mulher, tornando-se os dois uma só [’echad] carne”. É uma união de duas pessoas distintas. Em Deuteronômio 6:4, é usada a mesma palavra em relação a Deus: “Ouve, Israel, o Senhor nosso Deus é o único [’echad] Senhor.” Segundo Millard J. Erickson, “aparentemente alguma coisa está sendo afirmada aqui sobre a natureza de Deus – Ele é um organismo, isto é, uma unidade de partes distintas”.16 Moisés bem poderia ter usado a palavra yachid (“um”; “único”), mas o Espírito Santo escolheu não fazê-lo.
Outros textos. Após a queda do homem, Deus disse: “Eis que o homem se tornou como um de nós” (Gên. 3:22). E algum tempo depois, quando o homem começou a construir a torre de Babel, o Senhor ordenou: “Vinde, desçamos e confundamos ali a sua linguagem” (Gên. 1:7). Em cada caso, a pluralidade da Divindade é enfatizada.
Em sua visão do trono de Deus, Isaías ouviu o Senhor perguntando: “A quem enviarei, e quem há de ir por nós?” (Isa. 6:8). Aqui encontramos Deus usando o singular e o plural na mesma sentença. Muitos eruditos modernos tomam isso como uma referência ao Concílio Celestial. Mas, pediria Deus algum conselho às Suas criaturas? Em Isaías 40:13 e 14, Ele parece refutar essa noção. Deus não necessita aconselhar-Se nem mesmo com criaturas celestiais. Portanto, o uso do plural em Isaías 6:8, embora não especifique a Trindade, sugere que há uma pluralidade de seres no Orador.
O anjo do Senhor. A frase “anjo do Senhor” aparece 58 vezes no Antigo Testamento. “O anjo de Deus” aparece onze vezes. A palavra hebraica para “anjo” – mal’ak – significa mensageiro. Se o “anjo do Senhor” é Seu mensageiro, então deve ser distinto do Senhor. Todavia, em alguns textos, o “anjo do Senhor” também é chamado “Deus” ou “Senhor” (Gên. 16:7-13; Núm. 22:31-38; Juí. 2:1-4; 6:22). Os pais da Igreja identificavam esse anjo com o Logos pré-encarnado. Eruditos modernos vêem-nO como um Ser que representa Deus, como o próprio Deus, ou como algum poder externo de Deus. Por sua vez, eruditos conservadores geralmente aceitam que “este ‘mensageiro’ deve ter sido como uma manifestação especial do Ser do próprio Deus”.17 Se isso é correto, temos aqui outra indicação da pluralidade de pessoas na Divindade.

 

NO NOVO TESTAMENTO 

 

A verdade, na Bíblia, é progressiva. Por isso, é no Novo Testamento que encontramos um quadro mais explícito da natureza trinitária de Deus. A declaração de que Ele é amor (I João 4:8) implica que deve haver uma pluralidade dentro da Divindade, considerando-se que o amor só pode revelar-se em um relacionamento pluralístico.
Por ocasião do batismo de Jesus, encontramos os três membros da Divindade em ação ao mesmo tempo: “Batizado Jesus, saiu logo da água, e eis que se Lhe abriram os Céus, e viu o Espírito de Deus descendo como pomba, vindo sobre Ele. E eis uma voz dos Céus que dizia: Este é o Meu Filho amado, em quem Me comprazo” (Mat. 3:16).
Eis uma notável manifestação da doutrina da Trindade. Ali estava Cristo em forma humana, visível a todos; o Espírito Santo desceu sobre Ele na forma de uma pomba; e a voz do Pai foi ouvida dos Céus: “Este é o Meu Filho amado, em quem me comprazo”. Em João 10:30 Cristo fala de Sua igualdade com o Pai, e em Atos 5:3 e 4, o Espírito Santo é identificado como Deus. É impossível explicar a cena do batismo de Jesus por qualquer outra maneira senão assumindo que há três pessoas, iguais em natureza ou essência divina.
No batismo, o Pai referiu-Se a Jesus como “Meu Filho amado”. Essa filiação, entretanto, não é ontológica, mas funcional. No plano da salvação, cada membro da Trindade aceitou um papel específico, com o propósito de cumprir um alvo particular. Não se trata de mudança de essência ou status. Millard J. Erickson o explica desta maneira:
“O Filho não Se tornou inferior ao Pai durante a encarnação, mas subordinou-Se funcionalmente à vontade do Pai. Semelhantemente, o Espírito Santo agora está subordinado ao ministério do Filho (ver João 14-16) bem como à vontade do Pai, mas isso não implica inferioridade em relação a Eles.”18 No pensamento ocidental, os termos “Pai” e “Filho” contêm a idéia de origem, dependência e subordinação. Na mente oriental ou semítica, entretanto, eles enfatizam igualdade de natureza. Assim, quando as Escrituras falam de “Filho” de Deus, estão afirmando a divindade de Cristo.
Ao terminar Seu ministério terrestre, Jesus ordenou aos discípulos: “Ide, portanto, fazei discípulos de todas as nações, batizando-os em nome do Pai e do Filho e do Espírito Santo” (Mat. 28:19). Nessa comissão, nota-se claramente a Trindade. Primeiramente, notamos que a frase “em nome” [eis to onoma] é singular, não plural (nos nomes). Ser batizado em nome de três pessoas da Trindade significa identificar-se com tudo o que Ela representa; comprometer-se com o Pai, Filho e Espírito Santo.19 Em segundo lugar, a união desses três nomes indica que o Filho e o Espírito Santo são iguais ao Pai. Seria estranho, para não dizer blasfemo, unir o nome do Deus eterno com um “ser criado” e uma “força” ou “energia” na fórmula batismal.
“Quando o Espírito Santo é colocado na mesma expressão e no mesmo nível das outras duas pessoas, é difícil evitar a conclusão de que Ele também é visto como sendo igual ao Pai e ao Filho.”20
Paulo e outros escritores do Novo Testamento geralmente usam a palavra “Deus” para se referir ao Pai; “Senhor”, em referência ao Filho, e “Espírito”, em referência ao Espírito Santo. Em I Coríntios 12:4-6, o apóstolo fala dos três no mesmo texto: “Ora, os dons são diversos, mas o Espírito é o mesmo. E também há diversidade nos serviços, mas o Senhor é o mesmo. E há diversidade nas realizações, mas o mesmo Deus é quem opera tudo em todos.” Da mesma forma, em II Coríntios 13:13, ele enumera as três pessoas da Trindade, ao mencionar “a graça do Senhor Jesus Cristo, o amor de Deus e a comunhão do Espírito Santo”.
Embora não possamos dizer que esses textos sejam uma enunciação formal da Trindade, eles e outros como, por exemplo, Efésios 4:4-6, são trinitarianos em caráter. E embora a Igreja tenha elaborado os detalhes dessa doutrina em tempos posteriores, ela o fez sobre o fundamento dos escritores bíblicos.

 

DIVINDADE DE CRISTO

 

Um elemento crucial na doutrina da Trindade é a divindade de Cristo. Diante do ensinamento de que há um Deus em três pessoas, e que cada uma dessas pessoas é plenamente divina, é importante verificarmos o que as Escrituras ensinam sobre a divindade de Cristo. Existem passagens no Novo Testamento que confirmam a plena deidade de Cristo.
João 1:1-3;14. “No princípio era o Verbo, e o Verbo estava com Deus, e o Verbo era Deus.” A frase introdutória “no princípio” nos leva de volta ao começo do tempo. Se o Verbo estava “no princípio”, então Ele não teve princípio, que é outra forma de dizer que era eterno.
“O Verbo estava com Deus” nos diz que o Verbo era uma pessoa ou personalidade separada. O Verbo não estava em (en) Deus, mas com (pros) Deus. Desde que o Pai e o Espírito Santo são Deus, a palavra “Deus” muito provavelmente inclui esses dois outros membros da Trindade.
“E o Verbo era Deus”. O Verbo não era uma emanação de Deus, mas Deus mesmo. Embora o verso 1 não diga quem é o Verbo, o verso 14 claramente O identifica: “E o Verbo Se fez carne, e habitou entre nós, cheio de graça e de verdade, e vimos a Sua glória, glória como do unigênito do Pai.” Como disse Arthur W. Pink, “é impossível conceber uma afirmação mais enfática e inequívoca da deidade absoluta do Senhor Jesus Cristo”.21
João 20:28. “Respondeu-Lhe Tomé: Senhor meu e Deus meu.” Essa é a única vez, nos evangelhos, em que alguém se dirige a Cristo, chamando-O de “meu Deus” (ho Theos mou). É significativo que nem Cristo nem João desaprovaram a declaração de Tomé; pelo contrário, esse episódio constituiu um ponto alto da narração do evangelista, que imediatamente fala a seus leitores: “Na verdade fez Jesus diante dos discípulos muitos outros sinais que não estão escritos neste livro. Estes, porém, foram registrados para que creiais que Jesus é o Cristo, o Filho de Deus, e para que, crendo, tenhais vida em Seu nome” (vs. 30 e 31). Este evangelho, diz João, foi escrito para persuadir outros indivíduos a imitarem Tomé no reconhecimento de Cristo como “Senhor meu e Deus meu”.
Filipenses 2:5-7. Essa passagem foi escrita para ilustrar a humildade. Mas é um dos textos de apoio à divindade de Cristo. “Tende em vós o mesmo sentimento que houve também em Cristo Jesus, pois Ele, subsistindo em forma [morphé] de Deus não julgou como usurpação [harpagmos] o ser igual a Deus; antes a Si mesmo Se esvaziou, assumindo a forma [morphé] de servo, tornando-Se em semelhança de homens; e, reconhecido em figura humana…”
Morphé, que significa “forma” ou “aparência visível’, é uma palavra descritiva da natureza genuína, a essência, de uma coisa. “Não se refere a qualquer forma mutável, mas uma forma específica da qual dependem a identidade e o status.22 Morphé contrasta com schema (2:8), que também significa “forma” porém no sentido de aparência superficial, ao invés de essência. O substantivo harpagmos aparece apenas nesse texto, no Novo Testamento, e o verbo correspondente significa “roubar, tirar à força”. No grego secular, o substantivo significa “roubo”.
O contexto deixa claro que Jesus não cobiçou, não tentou roubar “o ser igual a Deus”; não tentou agarrar-Se à igualdade com Deus a qual Ele possuía intrinsecamente. Em outras palavras, não tentou reter Sua igualdade com Deus pela força. Em vez disso, “tratou-a como uma oportunidade para renunciar qualquer vantagem ou privilégio decorrentes; como uma oportunidade para auto-empobrecimento e sacrifício próprio sem reserva”.23 Esse é o significado da expressão “antes a Si mesmo Se esvaziou”. Sua igualdade com Deus era algo que Ele possuía intrinsecamente; e alguém igual a Deus deve ser Deus. Assim, essa “é uma passagem que demanda a compreensão de que  Jesus era divino no mais pleno sentido”.24
Colossenses 2:9. “Porquanto nEle habita corporalmente [somatikos] toda a plenitude [pleroma] da Divindade.” O termo grego pleroma tem o significado básico de “plenitude”, “plenamente”. No Antigo Testamento ele é aplicado à plenitude da Terra ou do mar (Sal. 24:1; cf. 50:12; 89:11; 96:11; 98:7), que é citada em I Coríntios 10:26. No grego secular, pleroma referia-se à totalidade da tripulação de um navio, ou à quantia necessária para completar uma transação financeira. Em Colossenses 1:19 e 2:9, Paulo usa a palavra para descrever a soma total de cada função da divindade.25
Essa plenitude habita corporalmente em Cristo, mesmo durante Sua encarnação, Ele reteve todos os atributos essenciais da divindade, embora não os empregasse em benefício próprio. “… Foi claramente visto que a divindade habitava na humanidade, pois através do invólucro terrestre, vez após vez cintilavam lampejos de Sua glória.”26
Tito 2:13. Paulo descreve os santos como “aguardando a bendita esperança e a manifestação da glória do nosso grande Deus e Salvador Cristo Jesus”. Notemos que: 1) De acordo com uma regra da gramática grega, o artigo o antes de “Deus” e “Salvador” une esses dois substantivos como designações do mesmo objeto. Assim, Jesus Cristo é “o grande Deus e Salvador”. 2) Todo o Novo Testamento aguarda a segunda vinda de Cristo. 3) O contexto do verso 14 fala apenas de Cristo. 4) Essa interpretação está em harmonia com outras passagens, tais como João 20:28; Rom. 9:5; Heb. 1:8; II Ped. 1:1, de modo que esse texto é mais uma afirmação da divindade de Cristo.
Mateus 3:3. “… Voz do que clama no deserto: Preparai o caminho do Senhor.” De acordo com o verso 1, esse texto de Isaías refere-se a João Batista que era o precursor do Messias. Em Isaías 40:3, a palavra traduzida como “Senhor” é Yahweh. Assim, o Senhor cujo caminho João prepararia não era outro senão o próprio Jeová.
Romanos 10:13. “Porque todo aquele que invocar o nome do Senhor será salvo.” O contexto (vs. 6-12) deixa claro que, ao se referir ao “nome do Senhor”, Paulo está pensando em Cristo. O texto é uma citação de Joel 2:32, onde novamente a palavra Senhor é tradução do hebraico Yahweh.
Hebreus 1:8 e 9. “O Teu trono, ó Deus, é para todo o sempre… por isso Deus, o Teu Deus Te ungiu…” Neste capítulo, são usados sete textos do Antigo Testamento para apoiar o argumento de que Cristo é superior aos anjos. O quinto texto, citado nos versos 8 e 9, é Sal. 45:6 e 7, onde um rei da casa de Davi é mencionado como “Deus”. Seria isto uma hipérbole poética, como algumas vezes é encontrada em cortes orientais, ou está o texto apontando para outra pessoa além do Antigo Testamento, príncipe da casa de Davi? Para os poetas e profetas hebreus, um príncipe da casa de Davi era o vice-regente do Deus de Israel; pertencente à dinastia à qual Deus fizera promessas especiais ligadas ao cumprimento de Seu propósito no mundo. Ao lado disso, o que era apenas parcialmente verdadeiro na linhagem e no governo histórico de Davi, ou mesmo em sua pessoa, deveria ser compreendido plenamente quando aparecesse o filho de Davi, no qual todas as promessas e ideais associados com a dinastia deveriam ser incorporados. Agora, finalmente, o Messias aparecera. Em sentido pleno, era possível para Davi, ou qualquer dos seus sucessores, que este Messias pudesse ser referido não apenas como Filho de Deus (v. 5), mas como realmente Deus, pois Ele é o Messias da linhagem de Davi, a refulgente glória de Deus e a própria imagem de Sua substância.27 Todas essas passagens indicam que Cristo e Yahweh são um.

 

AUTOCONSCIÊNCIA DE JESUS

 

Cristo nunca afirmou diretamente Sua divindade, mas dizia ser o Filho de Deus (Mat. 24:36; Luc. 10:22; João 11:4). E, de acordo com a idéia hebraica de filiação, tudo o que o pai é o filho também é. Os judeus entenderam que assim Ele estava reivindicando igualdade com o Pai: “Por isso, os judeus ainda mais procuravam matá-Lo, porque não somente violava o sábado, mas também dizia que Deus era Seu próprio Pai, fazendo-Se igual a Deus” (João 5:18; cf. 10:33).
Repetidas vezes Cristo disse possuir o que só pertence a Deus. “Ele falou dos anjos de Deus (Luc.12: 8 e 9; 15:10) como Seus anjos (Mat. 13:41). Referiu-Se ao reino de Deus (Mat. 12:28; 19:14 e 24; 21:31 e 34) e aos eleitos de Deus (Mar. 13:20) como Suas propriedades.”28 Em Lucas 5:20 Jesus perdoou os pecados do paralítico, e os judeus, com base em Isaías 43:25, argumentaram: “Quem pode perdoar pecados senão Deus?” Dessa forma, a ação perdoadora de Jesus O identificava como Deus.
A divindade de Cristo também é indicada no uso que fez do tempo presente em Sua resposta aos judeus: “Antes que Abraão existisse [genesthai] Eu sou [ego eimi]” (João 8:58). Ao usar o termo genesthai – “nascesse” ou “se tornasse” – e ego eimi – “Eu sou” –, Jesus contrasta Sua existência eterna com o início histórico da existência de Abraão. Pelo menos os judeus compreenderam dessa maneira, ou seja, que Jesus reivindicava ser Yahweh, o “Eu sou” da sarça ardente (Êxo. 3:14); por isso, apanharam pedras para matá-Lo (João 8:59).
Finalmente, o fato de que Jesus aceitou adoração evidencia que Ele próprio reconhecia Sua divindade. Depois que Jesus apareceu aos discípulos andando sobre as águas, “eles O adoraram” (Mat. 14:33). O cego que teve a visão restaurada, depois de lavar-se no tanque de Siloé, “O adorou” (João 9:38). Após a ressurreição, os discípulos foram para a Galiléia onde Cristo lhes apareceu. E eles “O adoraram” (Mat. 28:17).
E Ellen White assegura: “Em Cristo há vida original, não emprestada, não derivada. ‘Quem tem o Filho tem a vida.’ I João 5:12. A divindade de Cristo é a certeza de vida eterna para o crente.“29
“Falando de Sua preexistência, Cristo conduz a mente através de séculos incontáveis. Afirma-nos que nunca houve tempo em que Ele não estivesse em íntima comunhão com o eterno Deus.”30

 

TEXTOS DIFÍCEIS

 

Os antitrinitarianos usam alguns textos para apoiar a idéia de que Jesus, em algum tempo na eternidade, foi gerado, isto é, que Ele teve um começo e que não é absolutamente igual a Deus.
Apocalipse 3:14. Aqui, Jesus, “a Testemunha fiel e verdadeira”, é mencionado como “o princípio da criação de Deus”, o que leva alguns a interpretarem que Ele foi criado em algum ponto no passado, sendo assim a primeira obra de Deus.
Mas a palavra grega traduzida como “princípio” é arché. Além de “princípio”, ela também significa “causa primeira ou principal”, “soberano”, “regente”. O próprio Pai também é chamado “princípio”, em Apoc. 21:6.
O mesmo título é novamente aplicado a Cristo em Apoc. 22:13. Embora a palavra arché possa ter um sentido passivo, o que poderia fazer de Jesus o primeiro ser criado, o sentido ativo do termo O torna a “causa principal” o “criador”. Que Jesus não é o primeiro ser criado, mas o próprio criador, é o testemunho de outras passagens do Novo Testamento (João 1:3; Col. 1:16; Heb. 1:2).
Provérbios 8:22-31. “Eu nasci…” (v. 24). Argumenta-se que esse verso se refere a Jesus, ensinando que Ele foi nascido ou criado. Mas o contexto da passagem fala da sabedoria, não sobre Jesus. A personificação da sabedoria é uma figura literária que ocorre também em outras partes das Escrituras. Em Salmo 85:10-13, temos “misericórdia e verdade” encontrando-se, “justiça e paz” se beijando. Em Salmo 96:12, “os campos” se alegram, e “todas as árvores dos bosques regozijarão diante do Senhor”. (Ver também I Crôn. 16:33; Isa. 52:9; Apoc. 20:13 e 14). Esse tipo de alegoria não deve ser interpretada literalmente. “A personificação é uma figura literária e poética que serve para criar atmosfera e para avivar idéias abstratas e objetos inanimados, ao representá-los como se  fossem seres humanos.”31
A personificação do divino atributo da sabedoria começa no capítulo 1: “Grita na rua a sabedoria, nas praças levanta a sua voz” (v. 20). No capítulo 3, é-nos dito que ela “mais preciosa é do que pérolas” e “os seus caminhos são… paz” (vs. 15 e 17). No capítulo 7 ela é chamada “irmã” (7:4); e no capítulo 8, a sabedoria mora junto com a prudência (8:12). Sabedoria personificada também é o tema de Provérbios 9:1-5. Aplicar tais passagens a Cristo exige um modelo alegórico de interpretação que nos leva a métodos incompatíveis com outras passagens. Foi justamente esse tipo de hermenêutica que suscitou a rejeição do método alegórico de interpretação pelos reformadores. É importante notar que nenhum verso dessa passagem é citado no Novo Testamento.
Provérbios 8:22-31 contém imagens poéticas que necessitam ser bem interpretadas. A primeira frase no verso 22 pode ser traduzida como “o Senhor me possuiu”, “o Senhor me criou”, ou “o Senhor me gerou”. O significado básico do verbo qanah é “comprar”, “adquirir” e “possuir”. Mas as outras duas traduções são também possíveis. Além de qanah, duas outras palavras referem-se à sabedoria nesse texto: nasak = “estabelecer” (v. 23) e chil = “nascer” (vs. 24 e 25). O pensamento básico é sempre o mesmo, isto é, a sabedoria estava com Deus antes do início da criação. Se Deus a criou, se foi gerada ou simplesmente possuída, não é o foco. O que é central não é o modo de sua origem, mas sua antiguidade e precedência dentro da criação de Deus. Considerando a linguagem poética e metafórica da passagem, ela não deve ser usada para estabelecimento de qualquer doutrina sobre uma suposta origem de Cristo.
Ellen White, às vezes, aplicou homileticamente Provérbios 8 a Cristo; mas ela usou o texto para apoiar Sua preexistência eterna. Antes de usar Provérbios 8, ela disse que “Cristo era, essencialmente e no mais alto sentido, Deus. Estava Ele com Deus desde toda a eternidade, Deus sobre todos, bendito para todo o sempre”.32
Colossenses 1:15. Cristo é “o primogênito de toda a criação”. Considerando que Ele é chamado primogênito (prototokos), argumenta-se que deve ter tido um começo. Mas o termo “primogênito”, nesse texto, é um título e não a definição de uma condição biológica. Segundo 1:16, tudo foi criado por Jesus. Portanto, Ele não poderia criar a Si mesmo.
A palavra “primogênito” tem um significado especial para os hebreus. Em geral, o primogênito era o líder de um grupo de pessoas ou uma tribo, o sacerdote na família, e o único que recebia a herança duas vezes mais que seus irmãos. Ele tinha certos privilégios e responsabilidades. Algumas vezes, entretanto, o fato de que alguém fosse o primogênito não importava aos olhos de Deus. Por exemplo, embora Davi fosse o filho mais novo, Deus o chamou de “Meu primogênito” (Sal. 89:20 e 27). A segunda linha do paralelismo no verso 27 nos diz que isso significava que Davi devia se tornar o rei mais exaltado. Vejamos também as experiências de Jacó (Gên. 25:25 e 26; Êxo. 4:22) e Efraim (Gên. 41:50-22; Jer. 31:9). Nesses casos, “primeiro”, no sentido de tempo, foi desconsiderado. O importante era apenas a distinção e a dignidade de quem era chamado primogênito. No caso de Jesus, esse termo também se refere à Sua posição exaltada e não a um ponto no tempo no qual Ele tenha sido criado.
Em Colossenses 1:18, Cristo é chamado “o primogênito de entre os mortos”, embora não o tenha sido cronologicamente. Sabemos que Moisés e outros O precederam. O sentido é que Ele é o preeminente.
João 1:1-3. “No princípio era o Verbo, e o Verbo estava com Deus e o Verbo era Deus.” Alguns dizem que aqui há uma distinção entre Deus o Pai, que é o Deus, e Jesus, que é apenas um deus. O termo grego para Deus (theos) é encontrado com artigo (ho), “o Deus”, ou sem artigo, “deus” ou “Deus”. Em João 1:1-3, o Pai é chamado ho theos ao passo que o Filho é chamado theos. Será que isso justifica a argumentação de que o Pai é Deus Todo-poderoso, enquanto o Filho é apenas um deus menor?
O termo theos sem artigo freqüentemente também é usado para o Pai, inclusive no mesmo capítulo (João 1:6, 13 e 18; Luc. 2:14; Atos 5:39; I Tess. 2:5; I João 4:12; II João 9).
Jesus também é chamado o Deus (Heb. 1:8 e 9; João 20:28). Em outras palavras, o uso do termo Deus, com ou sem artigo, não pode ser argumento para se fazer distinção entre Deus o Pai e Deus o Filho. Deus o Pai é theos e ho theos, assim como o Filho.
Muitas vezes, a ausência do artigo, no idioma grego, denota qualidade especial. Nesse caso, o substantivo não deveria ser traduzido com o artigo indefinido “um”.
Se João tivesse usado o artigo definido cada vez em que aparece theos, ele estaria indicando a existência de apenas uma pessoa divina. Mas João 1:1 diz: “No princípio era o Verbo e o Verbo estava com Deus, e o verbo era theos.” Caso tivesse usado apenas ho theos, deveríamos ler: “No princípio era o Verbo e o Verbo estava com ho theos, e o Verbo era ho theos.” Segundo João 1:14, o Verbo é Jesus. Portanto, substituindo “Verbo” por “Jesus” temos a sentença “no princípio era Jesus e Jesus estava com ho theos, e Jesus era ho theos.Ho theos refere-se claramente ao Pai. O texto modificado seria: “No princípio era o Verbo e o Verbo estava com o Pai, e o Verbo era o Pai.” Isso é teologicamente errado. Falando de duas pessoas da Divindade, João não teve escolha senão usar ho theos uma vez e, na seguinte vez, usar theos. A ausência de artigo no segundo caso não pode ser usada como argumento contra a igualdade entre Pai e Filho.
João 1:14 e 18; 3:16 e 18; I João 4:9. Esses versos falam de Jesus como o Filho unigênito (monogenes) do Pai. Em razão disso, algumas pessoas sugerem que a palavra grega monogenes indica que Jesus foi gerado literalmente.
A palavra monogenes significa “único de uma espécie”. Seu uso ocorre nove vezes no Novo Testamento. Três vezes em Lucas (7:12; 8:42; 9:38) sempre se referindo a um único filho. Nos escritos de João, ela aparece cinco vezes (1:14 e 18; 3:16 e 18; I João 4:9), como uma designação do relacionamento de Cristo com o Pai. Em Hebreus 11:17, ela se refere a Isaque como o filho unigênito de Abraão. Sabemos, entretanto, que Isaque não era o único filho do patriarca. Era o único filho da promessa. A ênfase aqui não é sobre o nascimento, mas sobre a unicidade do filho.
O termo normalmente traduzido como “gerado” é gennao. Ele aparece em Hebreus 1:5 e pode estar se referindo à ressurreição ou à encarnação de Cristo. Na versão Septuaginta, a palavra monogenes é a tradução da palavra hebraica yachid, cujo significado é “único” ou “amado” (cf. Mar. 1:11, em conexão com o batismo de Jesus).
Não é claro se monogenes se refere apenas ao Senhor ressuscitado, histórico, ou também ao Senhor preexistente. Mas é interessante notar que nem João 1:1-14, nem 8:58 e nem o capítulo 17 usam o termo Filho para o Senhor preexistente.
Mateus 14:33. “És Filho de Deus!”. Esse é um título messiânico (Sal. 2:7; Atos 13:33; Heb. 1:5), que enfatiza a deidade de Jesus. Embora seja um dos muitos títulos que possuía, Ele o usava muito raramente para referir-Se a Si mesmo (João 11:4). Na tentativa de compreender quem era Cristo, todos esses títulos necessitam ser investigados para termos um quadro coerente. Que o título “Filho de Deus” salienta a divindade de Jesus é evidente em João 10:29-36. Isso é apoiado posteriormente pelo fato de que o Filho é a exata imagem de Deus, sendo igual ao Pai (Col. 1:15; Heb. 1:3; Filip. 2:6)
A palavra “Filho” tem um amplo significado na linguagem original. Portanto, não é possível reduzi-la aos limites de idiomas modernos, dando-lhe um significado literal. A filiação de Jesus é atestada em conexão com o Seu nascimento (Luc. 1:35), batismo (Luc. 3:22), transfiguração (Luc. 9:35) e ressurreição (Atos 13:32 e 33). A Bíblia silencia quanto a se esses títulos descrevem o eterno relacionamento entre Pai e Filho. Em qualquer caso, as Escrituras atribuem existência eterna a Jesus (Isa. 9:6; Apoc. 1:17 e 18). Durante a encarnação, Jesus subordinou-Se voluntariamente ao Pai, sendo o Filho de Deus. Isso incluiu a entrega de prerrogativas, mas não a natureza da deidade. O Senhor ressuscitado, ao ser entronizado como Rei e Sacerdote, também aceitou voluntariamente a prioridade do Pai, mas Ele e o Pai são, conforme a Escritura, personalidades iguais e coeternas da Divindade.

 

O ESPÍRITO SANTO

 

Que o Espírito Santo é uma pessoa divina, igual em substância, poder e glória com o Pai e o Filho, podemos observar nas Escrituras.
É um Ser pessoal. Alguns crêem que o Espírito Santo é um “poder” ou uma “energia” de Deus. Mas há muitos versos onde o Ele é mencionado junto com o Pai e o Filho (Mat. 28:19; I Cor. 12:4-6; II Cor. 13:14). Isso indica que o Pai e o Filho são pessoas; portanto, o Espírito Santo deve também ser uma pessoa. Freqüentemente, o pronome masculino “Ele” é usado em referência ao Espírito Santo (João 14:26; 15:26; 16:13 e 14), embora a palavra grega para Espírito (pneuma) seja neutra e não masculina. A palavra “consolador” ou “confortador” (parakletos) refere-se a uma pessoa, não a uma força.
O Espírito Santo fala (Atos 8:29), ensina (João 14:26), dá testemunho (João 15:26), intercede por outros (Rom. 8:26 e 27), distribui dons (I Cor. 12:11) e proíbe ou permite certas coisas (Atos 16:6 e 7). De acordo com Efés. 4:30, o Espírito Santo pode também ser entristecido. Essas atividades são características de uma pessoa, não de uma força.
É Deus. As Escrituras vêem o Espírito Santo como Deus. Desde a eternidade de Deus o Espírito Santo participa da Divindade como Seu terceiro componente. Em Mat. 28:19, os discípulos foram ordenados a batizar “em nome do Pai, do Filho e do Espírito Santo”. Esse verso coloca o Espírito Santo em igualdade com o Pai e o Filho. Ao repreender Ananias, Pedro lhe disse que mentindo ao Espírito Santo, ele tinha mentido “não a homens mas a Deus” (Atos 5:3 e 4).
“O Espírito Santo é onipotente. Ele distribui dons espirituais ‘como Lhe apraz, a cada um individualmente’ (I Cor. 12:11). Ele é onipresente; habitará com Seu povo para sempre (João 14:16). Ninguém pode fugir à Sua influência (Sal. 139:7-10). Ele também é onisciente, porque ‘a todas as coisas perscruta, até mesmo as profundezas de Deus’ e ‘as coisas de Deus ninguém conhece, senão o Espírito de Deus’ (I Cor. 2:10 e 11).”33
Ellen White acreditava na personalidade do Espírito Santo: “Precisamos reconhecer que o Espírito Santo, que é tanto uma pessoa como o próprio Deus, está andando por esses terrenos.”34
Vimos então que a Divindade existe em uma pluralidade; que Jesus é Deus, coexistente desde a eternidade com o Pai, e que o Espírito Santo é a terceira pessoa da Divindade. Há muitos outros detalhes sobre o tema, os quais somente no Céu entenderemos plenamente.
Textos difíceis da Bíblia são melhor compreendidos em harmonia com o restante da Escritura. Embora o mistério da Trindade nunca possa ser completamente entendido pelo homem finito, é uma doutrina bíblica, apoiada por escritos de Ellen White e é uma das 27 crenças fundamentais da Igreja.
 Fonte: Revista Ministério – março/abril de 2005, pp. 15-22
PDF: A Trindade na Bíblia



Disponíve em: http://centrowhite.org.br/perguntas/perguntas-e-respostas-biblicas/a-trindade-na-biblia/

Referências:

1. Fred Allaback, No Leaders … No New Gods (Creal Spring, Ill, 1966), pág. 11.
2. Ibidem, pág. 15.
3. Ibidem, pág. 30.
4. Bill Stringfellow, Tue Red Flag Is Waving (Spencer, TN: Concerned Publications, s/d).
5. Rachel Cory-Kuehl, The Persons of God (Aggelia Publications, 1966).
6. Allen Stump, The Foundation of Our Faith (Smyma Gospel Ministry, s/d).
7. Bill Stringfellow, Op. Cit., pág. 15.
8. W. Grudem, Systematic Theology (Zondervan, 1994), pág. 226.
9. Ellen G. White, Evangelismo, pág. 615.
10. ___________, Testimonies For the Church, vol. 8, pág. 295.
11. Louis Berkhof, Systematic Theology (Eerdmans, 1941), pág. 88.
12. Ibidem, pág. 89.
13. Escreveu Ellen White: “Há muitos mistérios que não busco compreender nem explicar; eles são muito elevados para mim e para vocês. Em alguns desses pontos, o silêncio é ouro” (Manuscrito 14, pág. 179).
14. G. A. F. Knight, A Biblical Approach to the Doctrine of the Trinity (Edimburgo, 1953), pág. 20.
15. Ibidem.
16. Millard J. Erickson, Christian Theology (Baker, 1983), vol. 1, pág. 329.
17. G. Ch. Aalders, Genesis (Zondervan, 1981), pág. 300.
18. Millard J. Erickson, Op. Cit., pág. 338.
19. Alguns comentaristas acreditam que atrás desta fórmula está a linguagem utilizada para transferência de dinheiro, na era helenista. Desse modo, a fórmula expressa figuradamente que a pessoa batizada é “transferida” para a conta do Senhor e se torna Sua possessão. Outros interpretam “nome” como “autoridade”. Nesse caso, a pessoa é batizada pela autoridade do Pai, do Filho e do Espírito Santo.
20. W. Grudem, Op. Cit., pág. 320.
21. Arthur W. Pink, Exposition of the Gospel of John (Zondervan, 1945), pág. 22.
22. W. Poehlmann, Exegetical Dictionary of the New Testament (Eerdmans, 1981), vol. 2, pág. 443.
23. F. F. Bruce, Philippians, Hendrickson, 1989), pág. 69.
24. Leon Morris, The Lord from Heaven: A Study of the New Testament Teaching in the Deity and Humanity of Jesus (Eerdmans, 1958), pág. 74.
25. Alguns comentaristas definem pleroma em termos do pensamento gnóstico, segundo o qual essa palavra significa uma nova emanação que se tem encarnado no Redentor.
26. John Eadie, Colossians, Classic Commentary Library (Zondervan, 1957), pág. 145.
27. F. F. Bruce, Hebrews (Eerdmans, 1964), págs. 19 e 20.
28. Millard J. Erickson, Op. Cit., pág. 326.
29. Ellen G. White, O Desejado de Todas as Nações, pág. 530.
30. ___________, Evangelismo, pág. 615.
31. Kenneth T. Aitken, Proverbs (Westminster Press, 1986), pág. 85.
32. Ellen G. White, Mensagens Escolhidas, vol. 1, pág. 247.
33. Seventh-day Adventists Believe (Hagerstown, 1988), pág. 60.
34. Ellen G. White, Evangelismo, pág. 616.